O estudo da hanseníase é de extrema importância devido ao seu impacto na saúde pública, especialmente no Brasil, visto que ele ainda está entre os países que registram o maior número de casos no mundo. Compreender a apresentação e diagnóstico dessa doença é um passo à frente no caminho de sua erradicação e quebra de estigmas sociais construídos ao longo dos anos.
O que é hanseníase?
A hanseníase é uma doença infectocontagiosa de caráter crônico, que se manifesta através de alterações dermato e neurológicas. Apesar do seu alto poder incapacitante, ainda faz parte do grupo de doenças negligenciadas no mundo. Acomete principalmente populações em situação de vulnerabilidade socioeconômica e com dificuldades de acesso ao sistema de saúde. Diante disso, a prevalência da doença no Brasil é de 14,8 para cada 100 mil habitantes.
A história da doença, previamente chamada de Lepra, é marcada por estigma e marginalização, com séculos de isolamento forçado de indivíduos contaminados. Apesar dos avanços médicos, desafios ainda persistem na erradicação do estigma e na garantia de tratamento acessível e digno para aqueles que vivem com a doença.
Epidemiologia
Embora tenha sido considerada erradicada pela Organização Mundial da Saúde em 2000, a doença ainda é uma grande preocupação, especialmente em países em desenvolvimento, como o Brasil. Para o diagnóstico, a proximidade com familiares que desenvolveram hanseníase é um dado epidemiológico essencial, e o contato domiciliar é um importante fator de transmissão da doença.
Sendo assim, o contato próximo com pessoas afetadas e residir em países endêmicos são fatores de risco importantes. Aproximadamente 90% da população apresenta naturalmente defesas contra a M. leprae, cuja suscetibilidade tem influência genética, com variantes associadas à resposta imunológica, função dos macrófagos e apresentação de antígenos.
Existem relatos de que certos medicamentos podem aumentar o risco ou complicações relacionadas. Por exemplo, no tratamento com infliximabe para artrite reumatoide. Em termos de distribuição demográfica, a doença afeta mais os homens do que as mulheres em uma proporção aproximada de 3 para 2.
Fisiopatologia da Hanseníase
O agente etiológico é a Mycobacterium leprae, uma bactéria intracelular (álcool-ácido resistente), com alta infectividade e baixa patogenicidade. Possui um período de incubação de 2 a 7 anos, e infecta as células de Schwann, responsáveis pela produção da bainha de mielina nos nervos periféricos. A transmissão da bactéria se dá através de exposição a gotículas de saliva e secreção nasal prolongada com indivíduos infectantes.
Tipos
A hanseníase possui quatro formas de apresentação, que ocorrem de acordo com a resposta imune do hospedeiro, variando assim em fisiopatologia, quadro sintomatológico, progressão e prognóstico de doença. São elas: forma Tuberculoide (HT), Virchowiana (HV), Dimorfa (HD) e Indeterminada (HI).
Hanseníase indeterminada e tuberculoide
A hanseníase indeterminada é a forma inicial da doença e, na maioria dos casos, evolui para cura espontânea. Já na hanseníase tuberculoide há exacerbação da resposta imune celular, formando um granuloma bem definido, possibilitando a destruição completa dos bacilos nos tecidos acometidos.
Hanseníase virchowiana e dimorfa
Em contrapartida, tanto na forma virchowiana quanto na dimorfa, geralmente há deficiência da resposta imune celular, o que leva a uma multiplicação excessiva dos bacilos e disseminação desses para o sistema nervoso periférico e vísceras. Isso ocorre devido a resposta humoral exacerbada em que os anticorpos para a M. leprae (PGL-1) aumentam rapidamente suas concentrações no soro, o que leva a um desbalanço imune (por isso o déficit imune celular).
Quais são os sinais e sintomas?
A hanseníase apresenta uma série de sinais e sintomas que variam de acordo com o tipo e a gravidade da infecção. Durante o exame físico, é essencial realizar uma avaliação dermatológica de toda superfície corpórea, além da avaliação da sensibilidade e função motora. Ademais, é necessário palpar os nervos periféricos em busca de dor ou espessamento.
Os sintomas incluem desde manchas cutâneas indolores até perda de sensibilidade ou parestesias nas áreas de nervos afetados. Além disso, a doença pode causar atrofia muscular, fraqueza e deformidades características, como queda do pé ou mãos em garra. A OMS classifica a a disfunção com base no número de lesões cutâneas e na presença de bacilos de Hansen nos tecidos, diferenciando entre formas multibacilares (MB) e paucibacilares (PB).
Além disso, ela pode apresentar reações imunológicas, como o Tipo 1 (ou reação reversa), que se manifesta com o surgimento súbito de vermelhidão na pele e novas lesões, e o Tipo 2 (ou eritema nodoso leproso), que pode causar nódulos cutâneos dolorosos, febre e dor muscular/articular intensa, principalmente em casos de hanseníase lepromatosa.
Lesões da hanseníase indeterminada
Normalmente há apenas uma lesão (cor mais clara que a pele normal), áreas circunscritas de pele com aspecto normal e distúrbios de sensibilidade.
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Lesões da Hanseníase Tuberculoide
Limites bem definidos, pouco elevados e com ausência de sensibilidade.
Lesões da Hanseníase Dimorfa
Várias lesões em forma de placas e nódulos eritêmato-acastanhados, com tendência à simetria. Lesões pré-foveolares ou foveolares são o tipo mais característico, podendo ser sobrelevadas ou não, com áreas centrais deprimidas e aspecto de pele normal, limites internos nítidos e externos difusos.
Lesões na Hanseníase Virchowiana
Placas infiltradas e nódulos (denominados hansenomas), de coloração eritêmato-acastanhada ou ferruginosa. Podem ter origem na mucosa nasal. A resposta imune do hospedeiro, no combate a M. leprae, pode levar a reações hansênicas, caracterizadas por inflamações de manifestação cutânea, oftálmica e neurais no curso da doença.
É importante saber identificá-las, pois são as principais causas de perda permanente de função dos nervos. O quadro pode ocorrer antes ou depois do diagnóstico e, comumente, durante o tratamento da hanseníase. Sendo classificadas como reação tipo 1 (reversa), tipo 2 (eritema nodoso hansênico) ou reação crônica (subintrante).
Como é feito o tratamento para a Hanseníase?
O tratamento é realizado em regime ambulatorial, através da poliquimioterapia, que evita a evolução da doença e interrompe a transmissão. Os medicamentos utilizados para o tratamento da os tipos paucibacilar e multibacilar são a rifampicina, dapsona e clofazimina. Na hanseníase paucibacilar, os pacientes serão tratados por 6 meses, e na multibacilar, por 12 meses.
As reações hansênicas, com ou sem neurite, devem ser encaminhadas para as urgências, com objetivo de que o tratamento seja realizado nas primeiras 24 horas. O medicamento de escolha para tratar a reação hansênica tipo 1 é a Prednisona na dose 1mg/kg/dia e, para tratar a reação hansênica tipo 2, utiliza-se a talidomida 100 a 400mg/dia.
Conclusão
A hanseníase é rica em detalhes, variantes, fisiopatologia e quadro clínico, como pode ser visto ao longo do texto. Diante disso, é preciso estar atento na prática clínica para não deixar passar casos da doença, visto que o Brasil é um local de risco para sua disseminação, assim como estabelecer o tratamento completo e bem realizado com a administração supervisionada pela atenção básica de saúde.
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