A Fibrose Cística (FC) é uma doença genética autossômica recessiva que afeta principalmente os sistemas respiratório, digestivo e reprodutivo. É causada por mutações no gene CFTR (Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator), que codifica uma proteína reguladora da condutância transmembrana.
Essa disfunção leva à produção de secreções espessas e viscosas, resultando em obstrução de ductos e ductos glandulares, inflamação crônica e infecções recorrentes. A Fibrose Cística é a doença genética potencialmente letal mais comum em populações caucasianas, com uma incidência de aproximadamente 1 em 2.500 a 3.500 nascidos vivos.
Fibrose cística: conceitos fundamentais para a residência médica
Para os futuros residentes em medicina, é crucial compreender que a fibrose cística é uma doença multissistêmica, exigindo uma abordagem interdisciplinar. O manejo envolve pneumologistas, gastroenterologistas, nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos, entre outros profissionais. A doença é progressiva e, embora não tenha cura, o diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem melhorar significativamente a qualidade e a expectativa de vida dos pacientes.
Etiologia: conheça os principais fatores genéticos e hereditários
A Fibrose Cística é uma doença genética causada por mutações no gene CFTR (Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator), localizado no cromossomo 7. Esse gene codifica a proteína CFTR, um canal de íons essencial para o transporte de cloro e sódio através das membranas epiteliais.
Até o momento, mais de 2.000 mutações diferentes no gene CFTR foram identificadas, mas a mais comum é a deleção F508del, presente em aproximadamente 70% dos casos. Essa mutação resulta na produção de uma proteína CFTR defeituosa, que é rapidamente degradada pelo sistema celular, levando à sua ausência funcional na membrana celular.
A herança da Fibrose Cística é autossômica recessiva, o que significa que ambos os pais devem ser portadores de uma mutação no gene CFTR para que a criança desenvolva a doença. Se ambos forem portadores, há uma probabilidade de 25% de que a criança herde duas cópias mutadas do gene (uma de cada pai) e, portanto, desenvolva a doença. Há também uma chance de 50% de a criança ser portadora assintomática (herdar apenas uma cópia mutada) e 25% de não herdar nenhuma mutação. A identificação de portadores é fundamental para o aconselhamento genético, especialmente em famílias com histórico da doença.
Fisiopatologia da fibrose cística: como a disfunção do CFTR afeta o organismo?
A proteína CFTR desempenha um papel crítico na regulação do transporte de íons e fluidos através das membranas epiteliais. Em indivíduos saudáveis, o CFTR permite a saída de cloro e a inibição da reabsorção de sódio, mantendo o equilíbrio eletrolítico e a hidratação adequada das secreções.
Na Fibrose Cística, a disfunção ou ausência da proteína CFTR leva a um desequilíbrio eletrolítico, resultando na produção de muco espesso e viscoso. Esse muco obstrui ductos e vias aéreas, causando uma série de complicações em diferentes sistemas orgânicos.

Nos pulmões
O muco espesso obstrui as vias aéreas, levando à inflamação crônica, infecções bacterianas recorrentes (especialmente por Pseudomonas aeruginosa e Staphylococcus aureus), bronquiectasias (dilatação anormal dos brônquios) e, eventualmente, insuficiência respiratória progressiva. A inflamação crônica e as infecções repetidas danificam o tecido pulmonar, reduzindo a capacidade respiratória ao longo do tempo.
No pâncreas
A obstrução dos ductos pancreáticos impede a liberação de enzimas digestivas no intestino, resultando em insuficiência pancreática exócrina. Isso leva à má absorção de nutrientes, desnutrição, esteatorreia (fezes gordurosas e fétidas) e atraso no crescimento. Além disso, a destruição progressiva do pâncreas pode levar ao desenvolvimento de diabetes relacionado à Fibrose Cística.
No intestino
Em recém-nascidos, a Fibrose Cística pode causar íleo meconial, uma obstrução intestinal devido ao mecônio espesso. Em adultos, pode ocorrer a síndrome de obstrução intestinal distal, caracterizada por episódios recorrentes de obstrução intestinal.
No fígado
A obstrução dos ductos biliares pode levar à colestase, fibrose hepática e, em casos graves, cirrose biliar. A doença hepática é uma complicação significativa em cerca de 5% a 10% dos pacientes.
No sistema reprodutivo
A maioria dos homens com Fibrose Cística é infértil devido à ausência congênita bilateral dos ductos deferentes, que transportam os espermatozoides. Nas mulheres, o muco cervical espesso pode dificultar a passagem dos espermatozóides, reduzindo a fertilidade.
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Sintomas da fibrose cística: como identificar os primeiros sinais?
Os sintomas da Fibrose Cística variam conforme a idade e a gravidade da doença, mas os primeiros sinais podem ser identificados desde o nascimento.
Recém-nascidos
O íleo meconial (obstrução intestinal) é um dos primeiros sinais clínicos, ocorrendo em aproximadamente 10% a 20% dos casos. Outros sinais precoces incluem atraso no crescimento e sudorese salgada, resultado da elevada concentração de cloro no suor.
Lactentes e crianças
Os sintomas respiratórios são predominantes, incluindo infecções respiratórias recorrentes, tosse crônica, sibilância e dificuldade para ganhar peso e estatura. A má absorção de nutrientes devido à insuficiência pancreática exócrina pode levar à esteatorréia (fezes gordurosas e fétidas) e ao prolapso retal.
Adolescentes e adultos
As complicações pulmonares tornam-se mais graves, com o desenvolvimento de bronquiectasias, pneumonias de repetição e tosse produtiva crônica. A insuficiência pancreática pode evoluir para diabetes relacionado à Fibrose Cística, e a desnutrição crônica pode levar à osteoporose. A infertilidade masculina é comum, enquanto as mulheres podem apresentar redução da fertilidade devido ao muco cervical espesso.
Como confirmar o diagnóstico?
O diagnóstico de Fibrose Cística é baseado em critérios clínicos, testes genéticos e o teste do suor, que é considerado o padrão-ouro para confirmação. O teste do suor mede a concentração de cloro no suor, sendo valores acima de 60 mmol/L considerados diagnósticos para FC. Valores entre 30 e 60 mmol/L são considerados intermediários e exigem investigação adicional.
A triagem neonatal, realizada através do teste de tripsina imunorreativa (TIR) no sangue, pode identificar recém-nascidos com suspeita, que devem ser submetidos ao teste do suor e a testes genéticos para confirmação. Os testes genéticos identificam mutações no gene CFTR e são essenciais para o diagnóstico, especialmente em casos atípicos ou com resultados intermediários no teste do suor.
Exames de imagem, como radiografia de tórax e tomografia computadorizada, são úteis para avaliar lesões pulmonares, como bronquiectasias e infiltrados inflamatórios. Testes de função pulmonar são utilizados para monitorar a progressão da doença e a resposta ao tratamento.

Exames laboratoriais, como a dosagem de elastase fecal, avaliam a função pancreática, enquanto o perfil nutricional e os testes de função hepática ajudam a identificar complicações associadas à doença.
Manejo da fibrose cística na prática médica
O manejo é complexo e exige uma abordagem multidisciplinar, envolvendo uma equipe de profissionais de saúde, como pneumologistas, gastroenterologistas, nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos e outros especialistas, para garantir um tratamento abrangente e individualizado.
Por ser uma doença multissistêmica, seu tratamento deve ser direcionado não apenas aos sintomas, mas também às complicações crônicas e ao impacto na qualidade de vida do paciente. Os principais pilares do tratamento incluem a terapia pulmonar, o suporte nutricional, o monitoramento e prevenção de complicações, e o apoio psicossocial.
Terapia pulmonar
A terapia pulmonar é um dos aspectos mais críticos do manejo, já que as complicações respiratórias são a principal causa de morbidade e mortalidade nesses pacientes. A fisioterapia respiratória desempenha um papel fundamental, com técnicas como a drenagem postural e o uso de dispositivos de pressão expiratória positiva (PEP), que ajudam a desobstruir as vias aéreas e a remover o muco espesso e viscoso que se acumula nos pulmões. Essas técnicas são essenciais para prevenir infecções e melhorar a função respiratória.
Além disso, a antibioticoterapia é frequentemente necessária para tratar infecções pulmonares, que são comuns entre os pacientes. Dependendo da gravidade, os antibióticos podem ser administrados por via inalatória, oral ou intravenosa. Em casos de infecções recorrentes, o uso profilático de antibióticos pode ser recomendado para reduzir a frequência e a gravidade das exacerbações.
Broncodilatadores e corticosteroides inalatórios também são utilizados para controlar a inflamação das vias aéreas e melhorar a função pulmonar. Nos últimos anos, os moduladores do CFTR, como ivacaftor, lumacaftor/ivacaftor e elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor, revolucionaram o tratamento da FC.
Esses medicamentos atuam diretamente na proteína CFTR defeituosa, melhorando sua função e, consequentemente, reduzindo os sintomas e complicações da doença. Eles representam um avanço significativo no tratamento, especialmente para pacientes com mutações específicas no gene CFTR.
Suporte nutricional
O suporte nutricional é outro pilar essencial no manejo da Fibrose Cística, já que a insuficiência pancreática exócrina é uma complicação comum que leva à má absorção de nutrientes e à desnutrição. Para contornar esse problema, os pacientes necessitam de suplementos de enzimas pancreáticas, que ajudam na digestão e absorção adequada de gorduras, proteínas e carboidratos.
Além disso, a suplementação de vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K) é crucial, pois a má absorção de gorduras pode levar a deficiências dessas vitaminas. Uma dieta hipercalórica também é recomendada para garantir que os pacientes atendam às suas necessidades energéticas e mantenham um peso saudável. A nutrição adequada é especialmente importante em crianças, pois o crescimento e o desenvolvimento podem ser comprometidos pela desnutrição crônica.
O monitoramento e a prevenção de complicações são partes integrantes do manejo. A avaliação regular da função pulmonar, por meio de testes como a espirometria, é essencial para monitorar a progressão da doença e ajustar o tratamento conforme necessário.
Além disso, o rastreamento de diabetes relacionado à Fibrose Cística deve ser realizado regularmente, já que a destruição progressiva do pâncreas pode levar ao desenvolvimento de diabetes. A avaliação hepática também é importante, pois a obstrução dos ductos biliares pode resultar em complicações como cirrose biliar. A osteoporose é outra complicação comum, especialmente em adultos, e deve ser monitorada através de exames de densidade óssea.
Aconselhamento genético e apoio psicossocial
O aconselhamento genético é fundamental para famílias afetadas, especialmente para casais que planejam ter filhos, pois a Fibrose Cística é uma doença hereditária autossômica recessiva. O aconselhamento genético pode ajudar as famílias a entender os riscos e as opções disponíveis, como o diagnóstico pré-natal.
Por fim, o apoio psicossocial é um componente crucial do manejo da FC, já que a doença crônica impacta significativamente a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias. A FC exige um tratamento diário intensivo, o que pode ser emocionalmente desgastante. O suporte psicológico é essencial para ajudar os pacientes a lidar com os desafios emocionais e sociais associados à doença, como ansiedade, depressão e isolamento social.
A educação sobre a doença também é fundamental para capacitar os pacientes e suas famílias a gerenciar a FC de forma eficaz. Programas de apoio e grupos de pacientes podem oferecer um espaço para compartilhar experiências e receber suporte emocional.
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FONTES:
- Manual do Residente de Clínica Médica . 3. ed. Santana de Parnaíba [SP]: Manole, 2023.
- Harrison's Principles of Internal Medicine. 21. ed. [S. l.: s. n.], 2022.