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Publicado em
2/2/23

Doença Renal Policística Autossômica Recessiva: causas, diagnóstico e tratamento

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Doença Renal Policística Autossômica Recessiva: causas, diagnóstico e tratamento

As Doenças Renais Císticas são um campo muito amplo de estudo devido a sua variabilidade de causas genéticas, curso clínico, manifestações sintomatológicas e prognóstico. Vista essa  heterogeneidade, vamos afunilar nosso estudo em uma das duas doenças císticas renais hereditárias: a Doença Renal Policística Autossômica Recessiva (DRPAR). Vale lembrar que temos um post aqui no blog sobre a outra forma comum dessa classe de condições, a Doença Renal Policística Autossômica Dominante (DRPAD).

Sendo assim, vamos agora compreender a definição, patogênese, diagnóstico e tratamento dessa condição renal que possui uma grande relevância na especialidade da Nefrologia Pediátrica!

O que é DRPAR?

A Doença Renal Policística Autossômica Recessiva é uma condição fibrocística potencialmente fatal do sistema urinário e do sistema hepático. Por ser frequentemente diagnosticada ainda no período perinatal, essa doença também pode ser denominada de Doença Renal Policística Infantil, além de Doença Renal Policística do tipo 1.

Qual é a causa Doença Renal Policística Autossômica Recessiva?

A causa da Doença Renal Policística Autossômica Recessiva é uma mutação genética do gene PKHD1 localizado no cromossomo 6. Essa mutação pode acontecer de >300 maneiras, a mais comum delas a mutação tipo Missense (uma única mutação de nucleotídeo gera um códon que codifica um aminoácido incorreto).

Esse gene PKHD1 codifica a fibrocística, uma proteína expressada nos cílios das células epiteliais renais e dos ductos biliares, além de estar envolvido no desenvolvimento e manutenção da arquitetura das estruturas citadas. Com a mutação desse gene, haverá anormalidades nas funções mencionadas (produção de cílios e arquitetura). Seu efeito nos principais locais de atuação estão citados abaixo:

  • Problemas Renais Primários: estão associados a dilatação e alongamento não-obstrutivo, simétrico e bilateral dos ductos coletores renais. Com o maior envolvimento dos túbulos renais, é possível o resultado de nefromegalia. Além disso, os cistos que se formam na área subcapsular tendem a ser pequenos e múltiplos, que resultam também no aumento do rim.
  • Problemas Biliares Primários: consiste na dilatação por cistos dos ductos biliares extra e intra-hepáticos. Está frequentemente associado à fibrose periportal e anormalidades da V. Porta, que tendem à progressão em Hepatomegalia e Hipertensão Portal.

Em um cenário de gestação em que o feto possua a Doença Renal Policística Autossômica Recessiva, essa disfunção do sistema urinário levará a um quadro de Oligoidrâmnio e Oligúria Intrauterina. Esses pontos podem resultar em desenvolvimento reduzido dos pulmões fetais (Hipoplasia Pulmonar), anormalidades de complacência pulmonar, restrição de crescimento intrauterino, malformações de membros, insuficiência renal e parto prematuro.

Por fim, uma complicação dessa condição intrauterina é a Sequência de Potter, caracterizada por: oligoidrâmnio importante, hipoplasia pulmonar e traços faciais atípicos (nariz achatado, micrognatia, pregas epicânticas e orelhas mais baixas).

Sequência de Potter. Fonte: American Journal of Medical Genetics.
Sequência de Potter. Fonte: American Journal of Medical Genetics.

Diagnóstico

A suspeita diagnóstica deve sempre acontecer em quadros como os seguintes:

  • Fetos: casos de aumento renal, oligodrâmnio e bexiga urinária vazia durante ultrassom de rotina pré-natal no segundo e terceiro trimestre.
  • Recém-nascidos: casos de neonatos com massas palpáveis em ambos os flancos, dispneia e Sequência de Potter.
  • Lactentes: casos de massas abdominais e anormalidade da função renal.
  • Crianças e Adultos: casos de hepatoesplenomegalia com Hipertensão Portal.

Lembre-se que, apesar de ser um diagnóstico comum da infância, alguns casos mais brandos só serão diagnosticados durante a vida adulta.

A confirmação diagnóstica deve ser feita com Ultrassonografia Renal pré ou pós-natal com evidência de Rins ecogênicos aumentados bilateralmente com pouca diferenciação corticomedular, além de ≥ 1 dos seguintes critérios:

Ectasia Ductal Biliar visualizada na Colangiopancreatografia Retrógrada
Sinais clínicos e laboratoriais de fibrose hepática (ex: hepatoesplenomegalia e varizes esofágicas)
Ausência de Nefromegalia e/ou outro achado no USG renal em ambos os genitores
Diagnóstico patológico ou genético de DRPAR em um irmão
Histopatologia Hepatobiliar com desenvolvimento anormal dos ductos biliares e fibrose hepática congênita resultante.
Critérios da confirmação diagnóstica de DRPAR. Fonte: EMR/Fernanda Vasconcelos

Como funciona o tratamento

Em primeiro momento, o manejo da Doença Renal Policística Autossômica Recessiva deve ser de suporte. Iniciado pelo equilíbrio hidroeletrolítico, deve-se corrigir as anormalidades de fluidos e eletrólitos causadas pela injúria renal, sendo elas: desidratação, hipervolemia, hiponatremia e acidose metabólica. 

Em seguida, deve-se estabelecer as orientações dietéticas, como restrição de suplementos sódicos (menos em casos de hipovolemia), adição de nutrição suplementar em pacientes pediátricos com crescimento inadequado (sondas nasogástricas ou gastrostomia podem ser utilizadas) e por fim, nos pacientes com disfunção hepatobiliar, suplementação com vitaminas lipossolúveis (K, D, E e A).

As medicações dentro do manejo da DRPAR são majoritariamente voltadas para o tratamento e prevenção das complicações geradas pela condição. 

Abaixo estão as medicações conforme a complicação a ser contida:

  • Hipertensão Arterial Sistêmica: inicia-se com Inibidores da ECA ou BRA, com possível terapia adjuvante de BCC (bloqueadores de canal de cálcio), beta-bloqueadores e/ou antidiuréticos. Indica-se manter a pressão arterial média no percentil < 50 visando retardar a progressão da insuficiência renal de estágio avançado.
  • Anemia de Doença Renal Crônica: administração de ferro exógeno e eritropoietina.
  • Hipervolemia: administrar diuréticos.
  • Doença Óssea: as opções são algumas, sendo elas o suplemento de cálcio, ligantes de fosfato e medicações supressoras da paratireóide.
  • Insuficiência de Crescimento: iniciar tratamento com hormônio do crescimento (GH).
  • Doença Hepatobiliar: em casos severos, usa-se ácidos biliares exógenos como Ácido Ursodeoxicólico para aumentar a quantidade de ácido e/ou reduzir a incidência de Coledocolitíase/Colelitíase.
  • Antibioticoprofilaxia: indicada de maneira restrita, em casos como - 6 a 12 semanas pós-episódio de colangite, após transplante de fígado ou rim e em pacientes com imunossupressão significativa.

Além do manejo clínico,  existem pacientes com indicação de realização de procedimentos cirúrgicos. Mais comumente, esses são transplantes de rim ou fígado. O transplante de rim é indicado em pacientes pós-nefrectomia ou pacientes em estágio terminal de doença renal crônica. Já o transplante de fígado é indicado no estágio terminal de doença hepática, hipertensão portal, colangite recorrente e sepse. Há ainda a combinação de ambos os transplantes citados, indicada para pacientes com estágios terminais de doença renal e hepática simultaneamente. 

A cirurgia de nefrectomia não necessariamente seguida de transplante é geralmente indicada em neonatos que possuem Nefromegalia, causando efeito compressivo de massa e gerando consequências como dispneia por limitação do diafragma, desnutrição por compressão estomacal e hipervolemia por compressão vascular.

Fatores de risco e complicações dos Rins Policísticos

Por ser uma condição de muita relevância genética, os fatores de risco da Doença Renal Policística Autossômica Recessiva se limitam a essa parcela hereditária e não incluem fatores ambientais.

As complicações da DRPAR são a parte mais relevante do quadro clínico, como visto no tópico de tratamento. Podemos dividi-las por sistema ou órgão que atinge:

  • Anormalidade Hidroeletrolítica: hipervolemia, hipovolemia, hiponatremia (por desregulação dos canais de sódio dos ductos coletores) e acidose metabólica
  • Cardiovascular: hipertensão arterial sistêmica por desregulação do eixo Renina-Angiotensina-Aldosterona mantido pelo rim. Também ocorre hipertrofia miocárdica e insuficiência cardíaca por sobrecarga de fluido na corrente sanguínea.
  • Renal: nefrolitíase, nefromegalia, cistos renais.
  • Musculoesquelético: doença metabólica óssea.
  • Hepatobiliar: aumento do ducto biliar não-obstrutivo (Doença de Caroli), que tem como consequência a hepatomegalia, colangite ascendente (rara). Ademais, há a fibrose hepática resultante em hipertensão portal, trombocitopenia, varizes esofágicas, ascite síndrome hepatopulmonar e esplenomegalia.
  • Sistema Respiratório: Hipoventilação e disfunção respiratória por efeito de massa e compressão do diafragma pelo rim aumentado,  além da hipoplasia pulmonar intra uterina causada pelo oligoidrâmnio que surge da oligúria fetal.
  • Neurocognitivo: a longo prazo, a doença renal crônica e a hipertensão aumentam o risco de déficits socioemocional, comportamental, cognitivo e atraso de desenvolvimento e de aprendizado.

Conclusão 

A Doença Cística Renal é um conceito com diversas patologias subjacentes. No texto de hoje, identificamos a definição da Doença Renal Policística Autossômica Recessiva, além da sua ligação causal com a mutação do gene PKHD1. Sua incidência é de alta relevância na Nefrologia Pediátrica, além de seu diagnóstico se estender até a vida adulta.

O diagnóstico deve ser suspeitado em quadros clínicos específicos de acordo com a idade, além da utilização importantíssima da Ultrassonografia associada aos critérios diagnósticos complementares. O tratamento deve ser composto por diversas abordagens, sendo elas farmacológicas, não-farmacológicas e cirúrgicas, com destaque para o transplante renal e hepático.

Leia Mais:

FONTES:

  • DynaMed. Autosomal Recessive Polycystic Kidney Disease. EBSCO Information Services. 
  • Martins, Mílton de, A. et al. Clínica Médica, Volume 3: Doenças Hematológicas, Oncologia, Doenças Renais. Disponível em: Minha Biblioteca, (2nd edição). Editora Manole, 2016.