A gravidez é um período de adaptação intenso do organismo materno, sendo assim, no sistema cardiovascular não seria diferente. O desenvolvimento de um feto intraútero e a existência do órgão placentário demandam uma reorganização da vasculatura da mulher que, se ocorrer de forma incorreta, pode gerar um desbalanço sistêmico, como vemos nas Síndromes Hipertensivas da Gestação.
Vamos revisar as definições, classificações, diagnósticos e tratamento de uma das patologias mais importantes de ser estudada na Gestação Patológica da Obstetrícia!
O que são as Síndromes hipertensivas na gestação?
As Síndromes Hipertensivas da Gestação são um grupo de condições caracterizadas pelo aumento na pressão arterial materna no período da gravidez. Essas síndromes são heterogêneas em origem, fisiopatologia, quadro clínico e manejo. Porém, o que todas têm em comum é a alta capacidade de gerar complicações tanto para a mãe quanto para o feto, algumas delas com desfechos muito desfavoráveis.
Principais causas das Síndromes hipertensivas na gestação?
Com exceção da Hipertensão Arterial Crônica prévia à gestação que se perpetua durante esse período, as outras síndromes são decorrentes de falha de implantação placentária no miométrio uterino da mulher, principalmente nas adequações vasculares à essa estrutura. Vamos primeiro compreender a implantação fisiológica para depois entendermos o que de alterado pode ocorrer:
Em um útero não gravídico, suas artérias uterinas penetrantes responsáveis pela irrigação são resistentes e tortuosas. Uma vez que inicie o processo de gravidez e esse órgão tenha que receber mais sangue para nutrir o feto através da placenta, essas mesmas artérias precisarão sofrer alterações para aumentar seu fluxo e tornar a passagem sanguínea cada vez mais facilitada.
A estrutura responsável por essa alteração vascular é a placenta. Uma vez que ela começa a se desenvolver na decídua, suas células trofoblásticas invadem as artérias espiraladas e consomem parte das paredes do vaso com a finalidade de torná-las mais "finas" e aumentar seu calibre. Esse momento de adaptação ocorre em duas ondas, a primeira sendo da 6ª à 12ª semana, e a segunda sendo da 16ª à 20ª semana.
Caso essas ondas de invasão trofoblástica não ajam da maneira correta, as artérias miometriais não se ajustam para irrigar corretamente a placenta. Assim, secundário à má nutrição sanguínea, a placenta sofrerá processos de isquemia que liberarão metabólitos inflamatórios que cairão na corrente sanguínea materna e causarão uma inflamação endotelial sistêmica nos vasos da mulher. No final, haverá o aumento da pressão devido aos vasos estarem lesados e resistentes.
Classificações
Hipertensão Arterial Gestacional
É a elevação da pressão arterial que ocorre após a 20ª semana de gravidez (ao fim da segunda onda de invasão trofoblástica nas artérias espiraladas) em mulheres previamente normotensas e que se normaliza após o parto, secundário à ausência da placenta. Geralmente não há presença de proteína na urina nesse tipo de hipertensão.
Hipertensão Crônica na Gestação
É a hipertensão arterial que já era uma comorbidade da paciente em questão, e permanece presente durante as 40 semanas de gravidez. Apesar de ser uma condição anterior, pode ser agravada pela fisiopatologia da má invasão placentária, piorando-a e/ou causando uma Pré-eclâmpsia superposta.
Pré-Eclâmpsia
Está síndrome hipertensiva da gestação, atualmente chamada de Toxemia Gravídica, significa a Hipertensão Arterial Gestacional com a presença de proteinúria (presença de proteína na urina), que indica lesão de vias renais, chamada de glomeruloendoteliose. Além disso, também pode ser considerada caso haja hipertensão acompanhada de lesão de algum órgão alvo, como fígado, pulmão ou coração.
Eclâmpsia
A Eclâmpsia é uma complicação da Pré-eclâmpsia, em que ocorrem convulsões tônico-clônicas ou coma devido a lesão cerebral secundária à hipertensão na gestação, condição que pode ser fatal se não for manejada imediatamente.
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Síndrome HELLP
A Síndrome HELLP representa um epônimo de um conjunto de complicações da hipertensão. O "HE" representa a HEmólise, que é a destruição microangiopática das hemácias, causando anemia hemolítica com os marcadores de baixa hemoglobina, alta bilirrubina total (>1.2) e esquizócitos no esfregaço de sangue periférico.
Ademais, o "L" representa Liver (fígado), demonstrando a lesão hepática decorrente da alta pressão, vista nos exames laboratoriais como o TGO e TGP mais do que duas vezes os valores de normalidade, além de possível dor no quadrante superior direito do abdome. Por fim, o "LP" significa Low Platelets (plaquetas baixas), vista no exame sérico por Plaquetas < 100.000.
Diagnosticando as Síndromes hipertensivas na gestação
O diagnóstico e distinção das síndromes hipertensivas na gestação deve ser feito associando a clínica, os exames laboratoriais e a idade gestacional. Caso a mulher tenha duas aferições de PAS ≥140 ou PAD ≥ 90 com 4 horas de intervalo, temos uma Hipertensão. Se esse evento ocorrer antes das 20 semanas, concluímos que é uma HAS crônica e se ocorrer depois de 20 semanas, determinamos como gestacional.
Após a aferição, pedimos exames urinários para avaliarmos a proteinúria. Temos proteinúria se a relação Proteína/Creatinina for ≥ 0.3 ou o total de Proteína na urina em 24h foi ≥ 300mg. Ademais, um exame rápido, porém menos acurado, é o LabStick, uma fita reagente na urina que mostra alguns padrões de modo quantitativo como pH, hemoglobina, entre outros, em que buscamos a presença de proteínas. Caso exames sejam positivos, diagnosticamos Pré-eclâmpsia.
O diagnóstico de eclâmpsia é feito em vigência de convulsão em paciente previamente diagnosticada com Pré-eclâmpsia, com cuidado para coletar na história clínica se as convulsões não são secundárias a condições neurológicas como epilepsia. Por fim, o diagnóstico da Síndrome HELLP deverá ser feito com os exames laboratoriais previamente citados em sua definição. Relembre-os:
Tratamento das síndromes hipertensivas na gestação
O tratamento das síndromes hipertensivas na gestação deve ser feito a nível ambulatorial, ao menos que a PA se eleve para PAS ≥ 160 ou PAD ≥ 110 mmHg. Nesse caso, a paciente deve ser internada por Hipertensão Grave. Ademais, a monitorização da pressão arterial deve ser feita constantemente, com a finalidade de registrar uma Curva Pressórica com todos os registros para análise médica. As indicações de parto vão variar de acordo com cada síndrome. Veja Abaixo:
A droga de escolha inicial para o controle pressórico na gestante é a Metildopa (alfa-agonista de ação central, também chamada de Simpatolítico de ação central). Além dessa, a Clonidina e principalmente o Nifedipino também são comumente vistos na prática. Como fármacos de terceira linha, temos os vasodilatadores periféricos (Hidralazina) e os Beta-bloqueadores, principalmente o Metoprolol.
DICA DE PROVA 1
Não é porque a classe de Beta-bloqueadores pode ser usada que todos os medicamentos nela contidos são seguros. O Atenolol é de extrema contraindicação na gestação! Além disso, outros medicamentos tipicamente usados para hipertensão arterial, como o IECA e BRA, também são contraindicados na gravidez.
O objetivo com o uso de anti-hipertensivos é atingir a meta de Pressão Arterial Diastólica em torno de 85 mmHg. Lembrando que a indicação de terapia medicamentosa inicia quando a PAS for ≥ 150 e/ou PAD ≥ 100 mmHg, ou se a paciente apresentar uma PAS ≥140 e/ou PAD ≥ 90 de maneira persistente, ou causando repercussões clínicas.
Outra situação é a crise hipertensiva, com PAS ≥160 e/ou PAD ≥110. Nesses casos, para evitar complicações e lesões de órgão alvo, almeja-se a redução de 15 a 25% do valor pressórico na primeira hora. Isso vai se dar com a administração da Hidralazina IV ou do Nifedipino Oral. Lembre-se que oral e sublingual são administrações distintas… Essa diferenciação já foi questão de prova!
DICA DE PROVA 2
Caso sua questão traga a complicação do edema agudo de pulmão na gestante com hipertensão, ligue um alerta para o uso do diurético Furosemida! Essa é uma combinação muito utilizada na prática e vista em provas de residência.
Além da questão puramente hipertensiva, no manejo ainda é necessário o tratamento das complicações pressóricas, como a Pré-Eclâmpsia, Eclâmpsia e Síndrome HELLP. Para isso, vai ser administrado o Sulfato de Magnésio (MgSO4). É importante saber que essa droga pode causar intoxicação, que requer monitoramento de seus sinais de alarde: depressão respiratória <14 ipm, abolição dos reflexos profundos e oligúria < 25 ml/h.
Veja a seguir quais as indicações mais comuns do SULFATO DE MAGNÉSIO (MgSO4):
- Prevenção de Eclâmpsia quando pacientes com Pré-Eclâmpsia apresentam picos hipertensivos (PAS ≥160 ou PAD ≥110)
- Prevenção de convulsão em pacientes com outras condições clínicas que são fatores de risco para esse evento
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DICA DE PROVA 3
Uma dica de prova e, principalmente, uma dica de prática clínica é: jamais administre o Sulfato de Magnésio sem ter o seu antídoto na cabeceira da paciente para injetar ao primeiro sinal de intoxicação. Fazemos isso com o Gluconato de Cálcio 10% EV. Além disso, alguns obstetras já optam por introduzir a sonda vesical em pacientes em uso de MgSO4 para facilitar a análise do débito urinário necessário para determinar intoxicação.
Conclusão
Em suma, as síndromes hipertensivas na gestação são uma condição que merece atenção especial durante a gravidez, uma vez que pode acarretar sérias complicações para a mãe e o feto. O diagnóstico precoce e o acompanhamento médico adequado são fundamentais para prevenir riscos à saúde materna e fetal. Com uma abordagem cuidadosa e orientada, é possível minimizar os impactos da hipertensão gestacional, garantindo uma gestação mais tranquila e saudável para todas as mulheres.
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FONTES:
- Hypertensive Disorders of Pregnancy - DynaMed. EBSCO Information Services.
- Hypertension and Pregnancy: Overview, Chronic Hypertension, Differential Diagnosis
- Manual de gestação de alto risco / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Ações Programáticas. Brasília : Ministério da Saúde, 2022