A crise febril (CF) é a desordem neurológica mais frequente na população pediátrica. Sendo definida pela ocorrência de crise convulsiva devido a um quadro febril, em crianças de 6 meses a 6 anos de idade.
Entretanto, esse quadro não deve estar relacionado a infecções do sistema nervoso central (SNC), tampouco com alterações metabólicas. E mais, para que seja dado o diagnóstico de CF, a criança não deve ter antecedentes neonatais de crise convulsiva ou crises afebris.
Dessa forma, a crise febril acomete entre 2 e 5% das crianças menores de 5 anos e, em 90% dos casos, o primeiro episódio ocorre entre os 6 meses e 3 anos de idade.
Para mais, um fator de risco relevante para apresentar o quadro de crise febril é a genética. Ou seja, história de crise febril em parentes de 1º e 2º. Isso porque estudos referem ocorrência de crises epiléticas em 7% dos pais e 12% dos irmãos de crianças que apresentaram a crise febril. E ainda, os asiáticos têm maior predisposição.
Além da genética, são fatores de risco para desenvolver a primeira crise internações hospitalares no período neonatal e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor.
Como é a fisiopatologia da crise febril?
A fisiopatologia da crise febril ainda não está totalmente esclarecida. Entretanto, acredita-se que tenha relação com a imaturidade do sistema nervoso, que apresenta limiar mais baixo à hipertermia e maior excitabilidade neural.
Assim, doenças comuns da infância que provocam febre, como as infecções das vias aéreas inferiores (IVAS) e o exantema súbito, podem desencadear o quadro de crise febril.
Apesar das infecções virais estarem mais associadas com a CF, quadros bacterianos, como a faringite estreptocócica, e a imunização -com aumento da temperatura corporal- também podem provocar a crise febril.
Qual é o quadro clínico da crise epiléptica?
No atendimento, o quadro clínico da criança pode ser classificado em uma crise febril simples ou complexa.
No geral, a criança chegará à emergência no período pós-ictal e, por isso, saber coletar as informações necessárias durante a anamnese é essencial.
Crise febril simples
É o tipo mais comum. Sendo caracterizada por crises que são, em sua maioria, tônico-clônicas, com duração < 15 minutos e sem recorrência nas primeiras 24 horas.
Crise febril complexa
São episódios de crise com déficit focal, e/ou duração > 15 minutos e/ou com recorrências dentro das primeiras 24 horas. Entretanto, para ser classificado como um quadro de crise febril complexa, a criança deve apresentar ao menos um desses critérios.
Para mais, pacientes com esse perfil apresentam maiores chances de recorrência da crise febril.
Fatores de risco de recorrência da crise febril
O principal fator de risco para a recorrência da crise febril é a idade. Isso porque 50% das crianças que apresentaram a CF com menos de 1 ano de idade terão recorrência.
Além disso, o grau de elevação da temperatura também é um fator de risco. Isso porque, se a crise foi desencadeada por uma febre baixa, então o risco de recorrência aumenta. Inversamente, se a crise ocorreu após uma febre mais alta, então o risco diminui.
E ainda, deve-se levar em consideração a duração do período febril. Por que quanto menor a duração da febre, maior a chance de recorrência, e vice-versa.
Entretanto, é importante orientar os pais que, para a maioria das crianças, o risco de recorrência da crise febril é baixo. A segunda crise ocorre em apenas 30% das crianças com até 6 anos de idade e, em apenas 50% dessas, haverá a recorrência de uma terceira crise.
Como diagnosticar a crise febril?
O diagnóstico da crise febril é clínico. Ou seja, exames laboratoriais não fazem parte da investigação de rotina.
Entretanto, é indicado realizar a coleta de LCR em alguns casos. São eles a idade inferior a 6 meses, por apresentarem poucos sinais clínicos, e a sintomatologia de infecção do SNC, como abaulamento de fontanelas e rigidez nucal.
E mais, em caso de recuperação lenta da crise ou alteração neurológica pós-ictal e em uso prévio de antibióticos. Isso porque seu uso pode mascarar sintomas de meningite.
Para mais, a realização de eletroencefalograma, ressonância magnética e tomografia não fazem parte da rotina de diagnóstico da criança com crise febril.
Diagnóstico diferencial
O principal diagnóstico diferencial com a crise febril é a meningite. Entretanto, é preciso diferenciá-la da síncope febril, delírios febris, calafrios e tremores.
Como tratar a crise febril?
O tratamento da crise febril é baseado em 3 aspectos: o tratamento da fase aguda, a profilaxia das crises e a orientação familiar.
Tratamento da fase aguda
Como visto anteriormente, a maioria das crianças chega ao pronto-socorro no período pós-ictal. Entretanto, caso esteja convulsionando, deve ser tratada como em qualquer crise epiléptica.
Sendo a droga mais utilizada o lorazepam, na dose 0,05 a 0,1 mg/Kg, via intravenosa ou intramuscular, a dose máxima de 4 mg/dose. E podendo ser repetida por até 3 vezes até a resolução da crise.
Orientação familiar
A tabela abaixo cita todos os aspectos importantes a serem informados à família da criança com crise febril.
O controle rigoroso da temperatura é o aspecto mais importante do tratamento, e deve ser feito com antitérmicos e com banhos típicos.
Por fim, a adoção do decúbito lateral direito deve ser feita para evitar possível broncoaspiração da saliva.
Profilaxia das crises
Caso a criança apresente a forma simples da CF, não estão indicados o uso contínuo ou profilático de anticonvulsivantes. Já para crianças que apresentaram a crise febril complexa, bem como com fator de risco para recorrência, a profilaxia deve ser considerada.
A profilaxia pode ser feita de forma intermitente, ou seja, apenas durante o quadro febril. Nesse caso, são utilizados benzodiazepínicos. Ou ainda, pode ser feita de forma contínua, com fenobarbital ou ácido valpróico.
Fontes:
BURNS, D. A. R. et al. Tratado Brasileiro de Pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. Barueri,4. ed. –Barueri: Manole, 2017.
MILLICHAP, John J. Clinical features and evaluation on febrile seizures. UpToDate. 2021. Acesso em: 27/12/2021. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/clinical-features-and-evaluation-of-febrile-seizures