No último dia 7 de janeiro, médicos japoneses publicaram no The New England Journal of Medicine um relato de caso sobre a transmissão vertical de câncer. A descrição mostrou ser possível o feto aspirar células tumorais durante o parto, quando a mãe tem o diagnóstico para câncer de colo do útero. Sendo esse um fenômeno raríssimo. É tanto que, a transmissão acontece em cerca de 1 bebê para cada 500.000 mães com neoplasia. O relato trouxe dois casos de transmissão vertical, ocorridos no Japão, nos quais os meninos foram identificados com câncer de pulmão.
Estudo sobre o perfil genético de pacientes com câncer
O diagnóstico foi descoberto de maneira acidental num estudo sobre o perfil genético em pacientes com câncer (TOP-GEAR). Assim, através da análise do sequenciamento genético de nova geração e de algumas outras evidências foi possível saber que os bebês desenvolveram o tumor maligno quando aspiraram fluidos vaginais contaminados pelo câncer da mãe. Isso aconteceu na hora do nascimento, durante a passagem pelo canal vaginal.
O diagnóstico para a neoplasia colo uterina das respectivas mães só veio após o nascimento dos bebês. Agora você deve estar se perguntando, como eles descobriram que a transmissão ocorreu por via vaginal e não por meio da placenta (transplacentária)? Então aqui vai a resposta. Os cientistas observaram que os tumores estavam localizados apenas nos pulmões, ao longo dos brônquios.
Dessa maneira, não poderia ter sido transmitido pela placenta, já que na transmissão transplacentária ocorre uma disseminação hematogênica. Por isso, ocorrem múltiplas metástases: no cérebro, osso, fígado, pulmão e tecidos moles. Além disso, o tumor não possuía o cromossomo y e o seu crescimento possuía um padrão peribronquial. E ainda, compartilhavam diversas mutações somáticas, o genoma do papilomavírus humano (HPV) e alelos de polimorfismo de nucleotídeo único (SNP, sigla do inglês Single Nucleotide Polymorphism) com os tumores de suas mães.
Caso 1 - Carcinoma neuroendócrino do pulmão
No primeiro caso, o recém-nascido (23 meses) estava tossindo já havia 2 semanas quando foi levado ao hospital. Então, por meio de uma tomografia computadorizada foram descobertas múltiplas massas disseminadas ao longo dos brônquios. Diante disso, através de uma biópsia veio o diagnóstico de Carcinoma neuroendócrino do pulmão. O lactante, então, começou o tratamento, fazendo dois esquemas quimioterápicos, mas a neoplasia progrediu.
Com isso, ele só obteve melhora significativa após ingressar num ensaio clínico que utilizou o nivolumabe para o tratamento. Sendo assim, o bebê ficou sete meses sem manifestar novas lesões e fez uma lobectomia para ressecar um único nódulo remanescente. Esse procedimento foi o mais eficaz, uma vez que, depois de 12 meses, não havia evidência de recidiva.
O tipo de câncer da mãe era o carcinoma de células escamosas cervical. Ele foi identificado somente três meses após o nascimento do bebê, apesar dela ter feito o exame citológico cervical sete meses antes. Ademais, a paciente também foi inscrita num estudo com nivolumabe, mas o carcinoma se disseminou e ela foi a óbito cinco meses após a progressão da doença.
Caso 2 - adenocarcinoma mucinoso
No segundo caso, a transmissão vertical via vaginal não ficou tão evidente, pois o crescimento tumoral se deu lentamente e o adenocarcinoma mucinoso é pouco usual para um tumor primário de pulmão. A desconfiança aumentou quando descobriram que a neoplasia do lactente e da mãe (adenocarcinoma) eram morfologicamente semelhantes. A comprovação só chegou por meio dos exames de sequenciamento genético de nova geração.
Nesse relato de caso, o menino tinha 6 anos e foi levado ao hospital com dor torácica à esquerda. Assim como no primeiro caso, o diagnóstico aconteceu através de uma tomografia computadorizada, que revelou uma massa no pulmão esquerdo, o adenocarcinoma mucinoso. Diante disso, o garoto foi submetido a quimioterapia, mas apresentou resposta parcial com redução nos níveis do marcador tumoral CA19-9 para valores normais. Posteriormente, o câncer reincidiu, mais especificamente, três meses depois.
Por causa disso, ele fez mais sessões de quimioterapia e foi submetido a uma pneumectomia total esquerda, ficando assim, livre da doença. A mãe desse garoto apresentou um tumor cervical polipoide durante a gestação, mas a análise citológica foi negativa. Sendo assim, por causa da estabilidade do tumor, o parto vaginal foi realizado. Entretanto, após o parto, a biópsia revelou um adenocarcinoma. Com isso, a mãe precisou de uma histerectomia e uma salpingooforectomia três meses após o parto. Ela acabou morrendo pela doença dois anos após a cirurgia.
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