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18/5/23

Transtorno do Espectro Autista: fatores de risco, características clínicas e manejo

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Transtorno do Espectro Autista: fatores de risco, características clínicas e manejo

O transtorno do espectro autista (TEA) é um transtorno do neurodesenvolvimento, que se manifesta precocemente – geralmente antes dos 3 anos de idade – com sinais de dificuldade em comunicação e interação social, comportamentos repetitivos restritos (estereotipias) e existência de interesses individuais específicos.

Está presente em 1% da população mundial, e seu diagnóstico vem crescendo nas últimas duas décadas por causa do avanço nas técnicas de triagem. É mais comum no sexo masculino, com uma proporção 4 vezes maior do que os dados registrados sobre a incidência em meninas.

O TEA é um assunto recorrente nas provas de residência médica, na subárea da Pediatria, devido à sua maior relevância nos últimos anos. Nesse post, vamos abordar como esse tema normalmente é cobrado nas provas!

O que é o Transtorno do Espectro Autista?

O TEA é um distúrbio do neurodesenvolvimento (não degenerativo) caracterizado por irregularidades na interação social e reações atípicas a estímulos do meio. O termo "espectro" define que há diferentes níveis de gravidade do transtorno, de acordo com a necessidade de apoio em atividades diárias ou presença de doenças associadas.

A disfunção pode ser causada por síndromes genéticas (Síndromes de Rett, Prader-Willi, X frágil, Angelman e esclerose tuberosa) ou por etiologias idiopáticas. Não se sabe ao certo quais as causas específicas do TEA idiopático, porém as hipóteses incluem associação de fatores ambientais e genéticos.

alterações genéticas em 98% dos indivíduos, sendo as multigênicas mais comuns em 80% dos casos, com 1000 a 4000 genes relacionados (alguns desses são os mesmos associados a transtornos esquizóides, TOC, depressão e TDAH), mas existem também alterações monogênicas, mutações mitocondriais, microdeleções e anormalidades cromossomais.

Os fatores de risco ambientais para TEA são:

  • Idade materna >40 anos;
  • Idade paterna >50 anos;
  • Infecções no pré-natal e perinatal (principalmente rubéola);
  • Uso de valproato de sódio (depakene) na gestação;
  • Baixo peso ao nascer.

A hipótese de vacinação como possível causadora de autismo (principalmente a vacina de tríplice viral) foi descartada após amplas pesquisas. Ademais, ainda não foi comprovado cientificamente que o uso excessivo de telas (televisão, celular, tablets) possa causar TEA, apesar de poder atrasar o desenvolvimento das crianças.

Síndrome de Asperger

A síndrome de Asperger é uma nomenclatura antiga designada a indivíduos com TEA autossuficientes, ou TEA nível 1, que apesar de possuírem disfunções comunicativas (dificuldade de aprendizado em linguagem e problemas em identificar emoções), têm habilidades intelectuais iguais ou superiores à população geral

O DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5.ª edição), lançado em 2013, incluiu a síndrome de Asperger dentro dos transtornos do espectro do autismo, que, anteriormente, era entendida como uma entidade separada. 

Dica de prova

A grande diferença que se dá entre a Síndrome de Asperger e o transtorno do espectro do autismo menos autossuficientes é o desenvolvimento normal da linguagem precoce, que no Asperger parece não ser comprometido. 

Características clínicas

A apresentação clínica do TEA é bem variável. Sinais que sugerem autismo são interação social atípica, com falta de contato visual (não sustenta por mais de 2 segundos), atraso na linguagem, ausência de sorriso, preferência por brincadeiras solitárias e irritabilidade. Apresentam maior interesse por objetos do que por pessoas e dificuldade de manter relacionamentos.

O atraso na linguagem pode ser percebido pela não fala, não se voltar para sons, ruídos e vozes no ambiente, não responder ao nome e imitação social pobre. Tanto a comunicação verbal como a não verbal são deficientes.

Possuem rituais e rotinas restritas e fixas, e costumam ficar irritados quando há alteração nelas. As pessoas com autismo possuem as estereotipias, que são ações repetitivas (motoras ou verbais), que ocorrem quase involuntariamente em certas ocasiões. Além disso, apresentam interesse repetitivo ou restritivo, costumam ter manuseio atípico de objetos (por exemplo, enfileirar os brinquedos).

Características do TEA. Fonte: blog ipog; link da fonte: https://blog.ipog.edu.br/saude/transtorno-do-espectro-autista/ 
Características do TEA. Fonte: blog ipog

Algumas condições comumente associadas são epilepsia, insônia, distúrbios gastrointestinais, TDAH, TOC e ansiedade. A comorbidade entre o transtorno do espectro autista e o TDAH é bastante comum. 

Características mais precoces

Elas devem ser procuradas de forma incessante. Já que quanto antes for realizado o  diagnóstico e a intervenção, melhor o prognóstico e funcionalidade dessa criança. As principais características precoces são: anormalidades do desenvolvimento motor, sensibilidade diminuída a recompensas sociais, afeto negativo e dificuldade no controle da atenção.

DICA DE PROVA

Algumas características do TEA costumam cair mais nas provas: perda ou ausência de habilidades verbais, não responde ao nome, criança com indiferença a sons, ruídos e vozes ou hipersensibilidade, ausência de sorriso social ou contato ocular e crianças que não imitam.

O mnemônico “COOPER” nos ajuda a lembrar das principais características do TEA:

  • COO – Comunicação social deficitária
  • P – Prejuízo na linguagem e na interação social
  • E – Estereotipias 
  • R – Restrição e repetição de comportamentos e interesses 

Diagnóstico

O diagnóstico é clínico. Os sinais costumam surgir a partir dos 12 e 18 meses de idade, porém a idade média de diagnóstico é 4 a 5 anos. A SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) orienta que a triagem para TEA seja realizada entre 18 e 24 meses de idade, por meio de escalas que podem ser aplicadas por profissionais da saúde, professores e outros. A escala mais utilizada é o M-CHAT.

M-CHAT: checklist de triagem do TEA. Fonte: scielo; link da fonte: https://www.scielo.br/j/rprs/a/fJsx7JhDNbjswLKPZ7Td69J/?lang=pt
M-CHAT: checklist de triagem do TEA. Fonte: SciELO 

Após uma triagem positiva para o transtorno do espectro autista, deve haver encaminhamento para um especialista que confirme o diagnóstico - como o neuropediatra ou psiquiatra infantil - por meio dos critérios do DSM-5.

O atraso no diagnóstico do autismo e suas condições associadas podem levar a sérios problemas, pois quanto mais antecipado for o tratamento, melhor é o desfecho do paciente. 

Exames que podem ser úteis na avaliação da criança são a eletroencefalografia (EEG) – necessário para descartar epilepsia – e polissonografia (PSG), pois muitos pacientes possuem distúrbios do sono. Exames genéticos são recomendados quando há suspeita de síndrome de X frágil, como pela presença de características dismórficas, história familiar ou deficiência intelectual não diagnosticada.

Diagnósticos diferenciais

Os diagnósticos diferenciais incluem: déficits auditivos, transtornos de linguagem, transtorno específico da aprendizagem, deficiência intelectual, transtorno opositor desafiante, TDAH, TOC, esquizofrenia e síndrome de Rett.

DICA DE PROVA

Tanto nas provas como na prática clínica, pode ser difícil diferenciar uma deficiência intelectual do Transtorno. Uma dica é observar como eles respondem a interação social, quem tem TEA costuma ter uma pior resposta a interações sociais quando comparada a quem tem deficiência intelectual, que já costuma responder bem.

Tratamento

É de grande importância uma intervenção precoce e multidisciplinar. Existem programas terapêuticos específicos para os indivíduos, como centros multidisciplinares especializados, com fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos, psicopedagogos e neuropediatras. A terapia cognitiva comportamental e ocupacional é extremamente importante. Os pais também podem se beneficiar de terapia em grupo e de psicoeducação.

Não há medicações que curam o transtorno de espectro autista, mas algumas são prescritas para controlar possíveis sintomas desafiadores.  Alguns remédios utilizados são antipsicóticos, como a risperidona e aripiprazol, para controle de sintomas agressivos, assim como ISRS (inibidores seletivos da recaptação da serotonina) para sintomas ansiosos, obsessivos ou depressivos.

Essas medicações atuam nos sintomas psiquiátricos e alterações de conduta, conseguindo assim melhor resposta às abordagens psicoeducacionais e psicoterapêuticas. Estudos ainda inconclusivos levantam a possibilidade de os pacientes terem vantagens com o uso de suplementos de ômega 3, vitaminas (A, C, D e complexo B), uso de probióticos e de dieta livre de glúten e/ou caseína, mas os resultados ainda são incertos.

Conclusão

O transtorno do espectro autista é um distúrbio do neurodesenvolvimento com sinais precoces de dificuldade na interação social principalmente. Não possui causa específica, mas na maioria das vezes está associada a alterações genéticas e alguns fatores ambientais.

Em consultas médicas de rotina deve-se realizar uma triagem de TEA para encaminhamento com especialista que possa confirmar ou não o diagnóstico. O tratamento feito antes dos 3 anos (terapia multidisciplinar) garante um desfecho mais favorável aos pacientes, com melhorias na comunicação e aprendizagem.

Vamos ver uma questão NA PRÁTICA? Abaixo está o link de uma questão explicada pela Drª. Tarciana Mendonça sobre transtorno do espectro autista.

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FONTES: