A anestesia peridural, também conhecida como anestesia epidural, é amplamente difundida no meio médico. É um procedimento seguro e que, entretanto, apresenta possíveis riscos e complicações. Por isso, o sucesso da anestesia não está apenas relacionado com a habilidade do anestesiologista em depositar corretamente a solução anestésica.
Assim, o médico anestesiologista deve ter amplo conhecimento sobre a farmacologia dos anestésicos aplicados, bem como da anatomia, fisiologia dos medicamentos e as possíveis complicações do procedimento. Por isso, não perca mais um post do EMR para contribuir com a sua formação!
O que é a Anestesia Peridural?
A anestesia peridural é um tipo de anestesia regional, que objetiva realizar anestesia cirúrgica e pós-operatória. Baseia-se na interrupção temporária da condução nervosa, com bloqueio das funções autonômicas, sensitivas e motoras de forma localizada. Para mais, diferentemente da anestesia geral, há preservação da consciência. Observe no esquema abaixo os tipos de anestesia existentes.
Anatomia do neuroeixo
O corpo humano apresenta 33 vértebras, sendo 7 cervicais, 12 torácicas, 5 lombares e 5 sacrais. Entre as funções da vértebra, está a proteção da medula espinhal. Observe a imagem abaixo.
A medula é protegida por três meninges, referidas respectivamente, da mais externa em relação às vértebras para as mais internas, em relação à medula: dura-máter, aracnóide e pia-máter. O espaço subaracnóide corresponde ao espaço entre a pia-máter, meninge sobreposta à medula espinhal, e a aracnóide, onde se encontra o líquido cefalorraquidiano (LCR), e onde a anestesia raquimedular é aplicada.
Já o espaço peridural, onde a injeção do anestésico será realizada na anestesia peridural, encontra-se entre a dura-máter e o ligamento amarelo, observável na figura acima. O espaço peridural se estende desde o forame magno (base do crânio) até S1-S2, e contém raízes nervosas, tecido conjuntivo e plexo venoso vertebral interno.
A medula espinhal se estende desde o encéfalo até o cone medular, na altura das vértebras L1-L2. Posteriormente à medula, estão os processos espinhosos da vértebra. Esses processos são ligados entre si por ligamentos, denominados ligamentos interespinhais, por onde a agulha das anestesias regionais podem ser inseridas.
Ao observar a imagem acima, é possível perceber que os planos anatômicos que a agulha irá ultrapassar durante a anestesia epidural são: pele 🡪 subcutâneo 🡪 ligamento supraespinhal 🡪 ligamento interespinhoso 🡪 ligamento amarelo 🡪 espaço epidural. Já na raquianestesia, a agulha segue até chegar ao LCR. Assim, ao ultrapassar o espaço epidural, atinge: dura-máter 🡪 espaço subaracnóide.
Técnica da operação
Devido a anestesia epidural ser aplicada no espaço epidural, pode ser realizada a nível lombar ou torácico. Diferentemente da anestesia raquimedular que, por ser aplicada no espaço subaracnóide, apresenta riscos de lesão à medula espinhal caso seja aplicada em níveis acima de L1-L2. Por isso, comumente, essa anestesia é aplicada em níveis L4-L5, a fim de prevenir lesão da medula.
As principais posições que o paciente deve adotar para as anestesias regionais são a sentada ou em decúbito lateral, devendo-se fletir e estabilizar a coluna na área em que se realizará a punção. Essas posições promovem aumento da distância no espaço intervertebral, facilitando o acesso com a agulha.
Além disso, a agulha de escolha na anestesia epidural é mais grossa, sendo a mais utilizada o tipo Tuohy, de tamanhos 16G e 18G. Para realizar sua inserção, pode-se utilizar a manobra de Dogliotti. Essa consiste na inserção da agulha no espaço entre os processos espinhosos das vértebras, até que o médico sinta uma resistência. A presença dessa resistência indica que a agulha atingiu o nível do ligamento amarelo. Assim, para atingir o espaço epidural, essa resistência precisa ser vencida.
É possível determinar o nível em que a anestesia está sendo aplicada através de alguns marcos anatômicos. Entre eles, a linha imaginária entre as espinhas ilíacas ântero superiores (linha de Tuffier), referência para os espaços entre L4 e L5. Além disso, a linha imaginária entre os processos inferiores da escápula correspondem ao nível T7. Por fim, a vértebra cervical com o processo espinhoso mais proeminente corresponde à C7.
Alterações fisiológicas do anestésico
Os anestésicos atuam nos canais de sódio voltagem-dependente dos neurônios, realizando o denominado bloqueio fásico. Dessa forma, impedem a passagem do impulso nervoso, aumentando o limiar e reduzindo a rapidez da condução.
Ao aplicar a anestesia, haverá predominantemente o bloqueio simpático em relação ao bloqueio parassimpático. Isso porque a inervação simpática ocorre através de neurônios surgidos diretamente da medula espinhal, entre T1-L2. Já o sistema parassimpático não será tão afetado, visto que a maioria da inervação parassimpática das vísceras torácicas e abdominais se dá através do nervo vago, um par craniano.
Como consequência disso, a anestesia epidural apresenta efeitos cardiovasculares: há vasodilatação e redução da resistência vascular periférica, reduzindo assim a volemia circulante. Dessa forma, há redução do débito cardíaco e, por isso, a hipotensão é um sintoma esperado nas anestesias regionais.
Resumidamente, a anestesia regional promove efeitos sobre o sistema nervoso central, através da inibição da sensibilidade, bloqueio simpático e relaxamento muscular abaixo do nível do bloqueio.
Quando a peridural é indicada?
A anestesia peridural é indicada em cirurgias abdominais e torácicas com grande potencial álgico. Exemplo disso são as cirurgias de mama e pulmão. Isso porque a anestesia raquimedular não pode ser aplicada nesses casos, devido ao potencial de lesão da medula.
Além disso, a anestesia peridural também é indicada na analgesia do parto, uma vez que realiza o bloqueio sensitivo sem realizar o bloqueio motor. Dessa forma, a paciente não sentirá dor durante o trabalho do parto, mas as contrações uterinas serão mantidas. Já na cirurgia cesárea, a anestesia mais indicada é a raquimedular, uma vez que promove maior relaxamento muscular que a peridural.
Vantagens
A anestesia epidural apresenta diversas vantagens. Como mencionado anteriormente, pode ser utilizada para cirurgias de andar superior, diferentemente da raquianestesia. Além disso, a anestesia epidural possibilita a passagem de um cateter, justificando a necessidade de realizar o procedimento com uma agulha mais grossa.
A passagem do cateter torna possível injetar novamente o anestésico local, caso seja necessário. Assim, o paciente pode ficar vários dias anestesiado, sendo muito útil em cirurgias com grande potencial álgico. Por fim, a anestesia peridural possibilita realizar a anestesia sem o bloqueio motor, sendo esse processo mais difícil na raquianestesia.
Desvantagens
Apesar de ser um procedimento seguro, as anestesias regionais apresentam algumas contraindicações. Entre elas, são contraindicações absolutas a recusa do paciente em realizar o procedimento, bem como a alergia aos componentes injetados. E mais, variações anatômicas no local da punção, incluindo feridas, lesões e tatuagens.
Já as contraindicações relativas das cirurgias regionais constituem infecções no sítio de punção e a sepse, devido ao maior risco de formação de abcessos. E ainda, a hipovolemia, devido ao risco do bloqueio simpático e agravamento do quadro clínico. E, mais, a hipertensão intracraniana, devido à descompressão súbita do LCR e ao risco de herniação cerebral após punção liquórica.
Por fim, são também contra indicações relativas às coagulopatias e o uso de anticoagulantes ou agregantes. Nesses casos, a fim de realizar o procedimento de forma segura, faz-se necessário suspender as medicações.
Possíveis complicações
É fundamental que todo médico reconheça as possíveis complicações das anestesias regionais, sendo a principal a cefaléia pós-punção liquórica. Essa, apesar de menos comum na anestesia peridural, pode ocorrer também durante esse procedimento, caso haja punção subaracnóidea inadvertida ou não identificada.
Essa cefaleia é caracterizada por ser fronto-occipital, com início em até 3 dias. O paciente relata piora na posição ortostática e melhora no decúbito, devido à hipotensão liquórica. O tratamento intervencionista consiste na inserção do tampão sanguíneo (blood patch), inserindo-se 15 a 20 mL de sangue no espaço peridural próximo à punção. O blood patch evita a perda do LCR e causa efeito de massa, elevando a pressão liquórica. Assim, causa rápido alívio da cefaléia.
Outras possíveis complicações das anestesias regionais são a paraplegia, formação de hematomas epidurais e o bloqueio nervoso prolongado. E mais, disfunções urinárias - devido ao bloqueio simpático - síndrome da cauda equina, e meningites e infecções. Essas últimas são complicações raras e, quando ocorrem, o agente mais comum na anestesia peridural é o Staphylococcus aureus e, na raquianestesia, o Streptococcus viridans.
Conclusão
É imprescindível diferenciar a anestesia peridural da anestesia raquimedular. Além disso, reconhecer os principais efeitos fisiológicos dos anestésicos utilizados, bem como reconhecer os principais efeitos fisiológicos dos anestésicos empregados, e possíveis complicações do procedimento, são cruciais para todos os médicos!
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FONTE:
- Anestesiologia, Dor e Medicina Paliativa: um enfoque para a graduação / Editores: Mauro Pereira de Azevedo, Sérgio Luiz do Logar Mattos, Rogean Rodrigues Nunes. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Anestesiologia/SBA, 2018.