A avaliação clínica das vias biliares envolve uma série de exames físicos, laboratoriais e de imagem, que permitem a identificação da causa subjacente dos sintomas e orientam o tratamento. Neste sentido, a semiologia das vias biliares é essencial para garantir uma abordagem segura e eficaz dos pacientes com doenças hepatobiliares. Vamos revisar a anatomia e fisiologia das vias biliares, além de compreender os métodos de avaliação de suas estruturas e suas principais condições.
Anatomia e Fisiologia das Vias Biliares
As Vias Biliares (VVBB) são compostas por diversas estruturas que transportam a bile produzida no fígado para o duodeno, onde ela ajuda na emulsificação de lipídios. As vias biliares incluem o fígado, os ductos hepáticos, o ducto biliar comum, a vesícula biliar e o ducto pancreático.
O fígado degrada a bilirrubina resultando na produção de bile, que é armazenada na vesícula biliar até ser liberada para o duodeno ao estímulo da CCK (Colecistocinina) pós-prandial. O ducto hepático direito e o ducto hepático esquerdo se unem para formar o ducto hepático comum, que se conecta ao ducto cístico, proveniente da vesícula biliar, para formar o ducto colédoco. O ducto colédoco então se funde com o ducto pancreático para formar a ampola hepatopancreática (ou ampola de Vater), que se abre no duodeno.
A bile é um fluido produzido pelo fígado e armazenado na vesícula biliar. Sua composição inclui água, eletrólitos, bilirrubina, colesterol, ácidos graxos, fosfolipídios, ácido úrico, hormônios e enzimas. Essa composição pode variar dependendo da dieta e do estado de saúde.
Avaliação Clínica das Vias Biliares
A anamnese e o exame físico são importantes para avaliar possíveis disfunções. Durante a anamnese, deve-se questionar o paciente sobre sintomas associados às VVBB, como dor abdominal (principalmente em quadrante superior direito), náusea, vômito, icterícia em pele e/ou nas mucosas, prurido, alterações na cor das fezes (acolia fecal) e alteração na urina (colúria). Também serão investigados antecedentes pessoais e familiares de doenças hepáticas e biliares.
No exame físico, precisa-se avaliar a coloração da pele e das mucosas procurando icterícia secundária à estase biliar, palpação abdominal em busca de sensibilidade em quadrante superior direito e/ou massas palpáveis. Além disso, existem manobras específicas para certas condições das Vias biliares.
Sinal de Murphy
É caracterizado pela dor no quadrante superior direito do abdômen que piora quando o médico pressiona o ponto cístico durante a inspiração profunda do paciente, havendo sua pausa abrupta. Indica Colecistite Aguda e descrevemos como "Sinal de Murphy Positivo".
Sinal de Courvoisier-Terrier
É caracterizado pela palpação indolor da vesícula protuberante em paciente com icterícia obstrutiva. Será visto quando ocorrer impactação da saída da bile da vesícula, culminando em seu acúmulo. Pode ser indicativo de cálculos, neoplasias de vias biliares e VVBB de neoplasia de cabeça pâncreas. Lembre-se que o colédoco tem uma porção do seu trajeto passando pela cabeça do pâncreas.
Avaliação Radiológica das Vias Biliares
Os métodos radiológicos são amplamente utilizados para avaliar as condições das vias biliares. Dentre os principais exames de imagem estão a ultrassonografia, a tomografia computadorizada e a colangiopancreatografia retrógrada (CPRE).
Ultrassonografia
A ultrassonografia é frequentemente utilizada como método inicial de avaliação das vias biliares. É um exame não invasivo que permite a identificação de cálculos biliares, dilatação ou obstrução dos ductos biliares, além de outras anormalidades. É de fácil acesso e ideal para situações mais agudas, como a Colecistite Aguda e suas complicações.
DICA DE PROVA
Mais do que uma dica de prova, essa é uma dica essencial para sua prática clínica. Caso você veja na USG algo que remeta a um cálculo biliar, mude o decúbito do paciente e veja se esse achado se moveu. Caso mova, é característico de cálculo. Caso permaneça no mesmo local, investigue outras condições, como pólipos biliares.
Tomografia computadorizada
A tomografia computadorizada (TC) é um exame de imagem mais detalhado e pode ser útil na avaliação de condições como a colecistite aguda, tumores das vias biliares e outras condições hepáticas. Pode ser usado de maneira contrastada ou não.
Colangiopancreatografia retrógrada
A colangiopancreatografia retrógrada (CPRE) é um procedimento invasivo de endoscopia que utiliza um endoscópio para visualizar o ducto biliar e o pâncreas. Por ele é injetado um contraste para identificar possíveis obstruções ou anormalidades. Durante o procedimento, um cateter é inserido através do endoscópio e guiado através dos ductos biliares e pancreáticos para retirar amostras de tecido ou remover cálculos biliares.
Colangiopancreatografia por RM
A Colangioressonância, também chamada de Colangiopancreatografia por Ressonância Magnética, é um exame de imagem não invasivo que utiliza ressonância magnética para detalhamento das vias biliares e do pâncreas, frequentemente acompanhada pela administração de um contraste IV. É usada para diagnosticar cálculos biliares, tumores, pancreatite e outras doenças relacionadas ao trato biliar e pancreático.
Em comparação com outros exames de imagem, como a colangiografia endoscópica retrógrada (CPRE), a colangioressonância é menos invasiva e pode ser feita em pacientes que não podem passar por CPRE ou que já tiveram complicações associadas a esse procedimento.
Condições mais comuns das Vias biliares
Colelitíase
A Colelitíase é caracterizada pela formação de cálculos na vesícula biliar, que podem variar em tamanho e número. Os cálculos biliares são formados a partir do acúmulo de substâncias presentes na bile, como colesterol, bilirrubina e sais biliares. Caso também afete os ductos, chama-se Coledocolitíase. Seu diagnóstico é feito pela Ultrassonografia Transabdominal, considerada padrão-ouro. Majoritariamente, o tratamento só é necessário se houver sintomatologia persistente (por obstruções transitórias) e o único método eficaz é a Colecistectomia.
Apesar da cirurgia ser mais comum, existem algumas ocasiões em que deve ser realizada mesmo na ausência de sintomas e sinais biliares, são elas: Pancreatite biliar, cálculos > 2cm, calcificação das paredes da vesícula (“Vesícula em Porcelana”), microcálculos e/ou lama biliar.
Colecistite Aguda
A colecistite aguda é uma inflamação súbita da vesícula biliar, geralmente causada pela obstrução do ducto cístico por um cálculo biliar. Os sintomas incluem dor abdominal intensa no quadrante superior direito, febre, náuseas, vômitos e icterícia. Esta é uma emergência médica e pode levar a complicações graves, como perfuração da vesícula biliar e sepse. Seu tratamento é feito após a admissão hospitalar, com estabilização, antibioticoterapia e colecistectomia. Caso a inflamação acometa os ductos biliares, chamamos de Colangite.
Neoplasias
A neoplasia das vias biliares pode afetar os ductos biliares e a vesícula biliar. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento incluem a idade avançada, o sexo masculino, a presença de cálculos biliares, a colangite esclerosante primária e outras doenças hepáticas crônicas. O diagnóstico é feito pela USG abdominal, tomografia computadorizada e ressonância magnética, além da biópsia de tecido hepático. O tratamento envolve cirurgia, radioterapia, quimioterapia ou a combinação desses métodos.
DICA DE PROVA
Não erre sua questão de Vias Biliares por confundir conceitos! Os termos são similares, então revisite-os abaixo:
Conclusão
Em resumo, a avaliação das vias biliares é fundamental para diagnosticar e tratar condições hepáticas e biliares. Através da ultrassonografia, colangiografia e ressonância magnética, é possível detectar obstruções, cálculos e outras condições nas vias biliares, que podem causar sintomas como icterícia, dor abdominal e náuseas. Por fim, nunca se esqueça que antes de qualquer exame complementar, seu exame físico e sua anamnese são os responsáveis por guiar o diagnóstico e tratamento do seu paciente.
Vamos ver uma questão NA PRÁTICA? Abaixo está o link de questões explicadas pelo Dr. Amyr Kelner sobre CONDIÇÕES DAS VIAS BILIARES:
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FONTES:
- SABISTON. Tratado de cirurgia: A base biológica da prática cirúrgica moderna. 19.ed. Saunders. Elsevier
- MOORE, K. L.; DALLEY, A. F. AGUR, A. N. Anatomia orientada para a clínica.7 ed.Riod e Janeiro: Guanabara Koogan, 2014