A desidratação é a depleção significativa de água no corpo, acomete principalmente crianças menores de 5 anos. No Brasil, foi a desidratação infantil principal causa de mortalidade nas crianças em décadas passadas, tendo como a principal etiologia as perdas gastrointestinais por diarreia aguda. Entretanto, com a melhora das condições sanitárias, a introdução da hidratação oral e a vacinação contra o rotavírus, houve melhora exponencial desse cenário no país.
Neste post iremos abordar as principais causas de desidratação infantil, como classificar e como abordar!
Etiologia na desidratação em crianças
Lactentes e crianças pequenas são mais susceptíveis à desidratação, por razões que incluem alta taxa metabólica, incapacidade de comunicar necessidades e maior susceptibilidade imunológica a doenças diarreicas.
A desidratação infantil é causada por perda de líquido aumentado, ingestão diminuída de líquidos ou ambos. Normalmente, a perda de líquidos aumentada é a principal causa, principalmente de origem gastrointestinal, como na diarreia e vômitos. Podem ocorrer também perdas renais, como na cetoacidose diabética, e perdas cutâneas, como em caso de sudorese excessiva e queimaduras extensas.
As causas de diminuição na ingestão de líquido normalmente incluem infecções e doenças ou casos de negligência parental. A diarreia, principal causa de desidratação infantil, normalmente é causada por infecções que geram gastroenterite, e pode ter como agente etiológico o rotavírus, norovírus e enterovírus ou bactérias como Salmonella, Shigella e Escherichia coli.
Fisiopatologia
A perda de líquido excessivo causa uma diminuição na água corporal total dos volumes de líquido intracelular e extracelular. Nessa perda de água, é possível que também ocorra uma perda de eletrólitos. De acordo com o sódio sérico, a desidratação infantil pode ser classificada em hipertônica, hipotônica e isotônica. A isotônica é o tipo mais comum, em que as perdas de sódio e água são iguais, e o sódio sérico varia entre 130 e 150 mEq/L, sendo a diarreia e vômitos a principal causa.
A desidratação hipotônica, onde a perda de eletrólitos é superior à da água, é a forma mais grave, sendo mais comum em crianças desnutridas. Já na hipertônica, onde a perda de água é superior à de eletrólitos, as causas mais comuns são diabetes e uso de diuréticos.
Sinais e sintomas de desidratação infantil
Os sinais e sintomas de desidratação infantil pode incluir, a depender da gravidade: mucosas secas, pele seca, olhos fundos, agitação ou quadro comatoso (desidratação grave) e sede excessiva. Além da pele acinzentada, moleira afundada, lábios secos, diminuição da frequência urinária e choro sem lágrimas.
A Sociedade Brasileira de Pediatria classifica a desidratação em leve, moderada e grave, de acordo com quadro clínico. Como pode ser visto na tabela abaixo:
Desidratação leve (A)
A sintomatologia é leve ou ausente. O enchimento capilar é inferior a 3 segundos, há sede e redução da diurese com urina concentrada. Porém, o estado geral e o exame físico não apresentam demais alterações.
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Desidratação moderada (B)
A sede é intensa, as mucosas estão secas e há presença de taquicardia. O enchimento capilar varia entre 3 e 5 segundos. O paciente pode se apresentar irritado, com os olhos fundos.
Desidratação grave (C)
A sede é intensa, porém, se muito grave, criança pode se mostrar comatosa e incapaz de beber. As alterações hemodinâmicas são ainda mais acentuadas, e muitas vezes são associadas à diminuição da perfusão tecidual. O enchimento capilar é superior a 5 segundos e as extremidades são frias, com pulsos rápidos e finos.
A hipotensão é um sinal tardio, e podem estar presentes sinais neurológicos como o torpor, a irritabilidade e coma. É através desses sinais que é possível diagnosticar o paciente desidratado, e iniciar o tratamento mais adequado.
Dica de Prova
Outra forma menos usada de classificar a gravidade da desidratação, criada pela OMS, é pelo peso perdido. Se a criança perder até 5% do peso, é leve. Se perdeu de 5 a 10% é moderada e se perdeu mais de 10% é grave.
Como tratar a desidratação infantil?
Para realizar o tratamento, são oferecidos líquidos e eletrólitos à criança. É dividido em plano A, B e C, de acordo com a gravidade da desidratação da criança. A depender do caso, é oferecido soro com solução com 90 mmol/L de sódio, e as soluções caseiras, apesar de amplamente difundidas, apenas devem ser oferecidas quando houver ausência desse soro.
Plano A
O plano A é para aquelas crianças com desidratação leve ou ausente. É feito em domicílio, em crianças sem sinais clínicos de desidratação. Consiste em aumentar a oferta de líquidos e oferecer o soro de reidratação oral (SRO) de acordo com a aceitação do paciente, após cada evacuação ou vômito. A quantidade de líquido indicado é de 50 a 100 ml para menores de 1 ano, de 100 a 200ml para crianças de 1 a 10 anos e o quanto a criança aceitar se maior de 10 anos.
Caso a criança apresente sinais de alarme, que devem ser explicados aos pais, deve voltar para unidade de saúde. Sendo eles, a diminuição da diurese, recusa alimentar ou piora da diarréia. Ou ainda, sede excessiva, vômitos repetidos e sangue nas fezes.
Plano B ou fase de reparação
O plano B é para os pacientes com desidratação moderada ou falha no plano A. O indivíduo deve estar sob observação na unidade de saúde, para receber 50 a 100 mL/Kg de SRO durante 4 a 6 horas. Durante esse período, a dieta da criança deve ser suspensa, entretanto, o aleitamento materno deve ser mantido.
Não é necessário saber o peso anterior dela. Todavia, a partir do início da reidratação, o paciente deve ser pesado para avaliação da hidratação oral, que deve ser feita a cada hora. É preciso observar se há desaparecimento dos sinais de hidratação, se há elevação do peso e presença de diurese. Se houver melhora do quadro clínico, voltar ao plano A. Entretanto, não havendo melhora, a gastróclise (introdução da sonda nasogástrica) é indicada.
Plano C
Indicado para pacientes com desidratação infantil grave ou quando a via oral é inviabilizada. Para quem faz parte deste plano, o soro precisa ser administrado por via parenteral. Ademais, o Ministério da Saúde afirma que a criança não precisa ser internada, devendo apenas permanecer sob observação por pelo menos 6 horas, podendo receber alta quando conseguir realizar a hidratação oral.
Por fim, é recomendado pelo Ministério da Saúde que o tratamento realizado no plano seja dividido em duas fases: expansão rápida, e de manutenção e reposição. Como é possível observar na tabela abaixo.
Conclusão
A desidratação infantil é uma condição comum e potencialmente grave, normalmente causada por quadros diarreicos, mas podendo ser causada também por vômitos, diabetes e outras condições. O diagnóstico é clínico e a classificação de gravidade é essencial na definição da melhor conduta, que pode ser o plano A, B ou C.
Vamos ver uma questão NA PRÁTICA? Abaixo está o link de uma questão explicada sobre desidratação infantil.
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FONTE:
- Diarreia aguda: diagnóstico e tratamento
- Pediatric Dehydration - StatPearls - NCBI Bookshelf
- Treatment of hypovolemia (dehydration) in children in resource-rich settings - UpToDate
- BURNS, D. A. R. et al. Tratado Brasileiro de Pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. Barueri,4. ed. –Barueri: Manole, 2017
- Manejo do Paciente com Diarreia (Cartaz)