O abdome agudo obstrutivo, quadro agudo causado pela interrupção parcial ou total do fluxo intraluminal do intestino, constitui a segunda afecção abdominal não-traumática mais frequente.
Ele é uma das complicações da obstrução intestinal e pode ocorrer em qualquer faixa etária e sua letalidade varia de 7 a 30%, dependendo da precocidade do diagnóstico e da eficácia da terapia empregada.
Ele é causado geralmente por massas abdominais e seu tratamento inicial costuma ser conservador, envolvendo técnicas como a descompressão nasogástrica, a reposição hidroeletrolítica e o alívio de sintomas.
O tratamento cirúrgico do abdome agudo obstrutivo normalmente é indicado em casos que não respondem à terapia conservadora e nas obstruções mecânicas massivas.
O que é o abdome agudo obstrutivo?
Abdome agudo obstrutivo é definido pela agudização de um quadro de obstrução intestinal – que, por sua vez, é constituída por qualquer afecção que dificulte ou impeça o fluxo intraluminal intestinal, que pode ter natureza funcional ou mecânica.
Quais são os sinais e sintomas do abdome agudo obstrutivo?
Num quadro de abdome agudo obstrutivo, a dor abdominal costuma ser mais intensa nas obstruções de intestino médio e baixo, e se apresenta normalmente como um “desconforto” em pacientes com obstrução alta.
A presença de distensão abdominal ou de vômitos dependerá da altura da obstrução. Quanto mais baixa, mais evidente a distensão e menor a frequência dos vômitos – que, nas obstruções altas, são alimentares e biliosos. Nas baixas eles podem ser fecalóides.
Durante o exame físico, a distensão pode ser facilmente percebida na inspeção. Nos pacientes mais magros, é possível visualizar os movimentos peristálticos (peristaltismo visível de Kussmaul).
Os ruídos hidroaéreos de timbre metálico indicam obstrução mecânica ao trânsito, mas eles podem se tornar menos intensos ou até serem abolidos conforme o tempo passa (e a obstrução se agrava).
Nas obstruções de intestino delgado, normalmente os pacientes evacuam o conteúdo presente nos cólons e no reto, apresentando então toque retal normal.
Os sinais de choque hipovolêmico ou choque séptico podem ser encontrados nas fases tardias do quadro e, na ausência de distensão abdominal, indicam complicações secundárias à obstrução do intestino delgado.
Sinais clínicos de peritonite – como dor contínua, febre e taquicardia – podem sugerir sofrimento de alça.
Quais são as causas do abdome agudo obstrutivo?
As causas mecânicas mais prevalentes no abdome agudo obstrutivo são:
- Bridas ou aderências pós-operatórias;
- Hérnias de parede abdominal ou internas;
- Tumores;
- Volvos;
- Intussuscepção;
- Divertículo de Meckel;
- Corpos estranhos intra ou extra luminares;
- Estenoses benignas.
Quando falamos de causas funcionais, utilizamos o termo íleo adinâmico ou paralítico. Ele é caracterizado pela interrupção funcional dos movimentos peristálticos e, consequentemente, do trânsito intestinal.
As principais causas funcionais do abdome agudo obstrutivo são:
- Doenças primárias do peritônio;
- Doenças de órgãos intraperitoneais;
- Pós-operatório de cirurgia abdominal;
- Moléstias extra-abdominais ou sistêmicas;
- Quadros infecciosos;
- Distúrbios hidroeletrolíticos (hipocalemia);
- Uso de fármacos (antidepressivos tricíclicos, opióides, anticolinérgicos, bloqueadores do canal de cálcio).
Como podemos fazer a classificação do abdome agudo obstrutivo?
Podemos classificar o abdome agudo obstrutivo de várias formas:
- De acordo com sua altura no trato gastrointestinal (intestino delgado ou grosso);
- De acordo com sua etiologia (mecânica ou funcional);
- De acordo com sua gravidade e prognóstico.
Dividindo por faixas etárias, as principais causas de obstrução entre crianças são hérnias estranguladas, divertículo de Meckel e intussuscepção. Em adultos jovens, predominam as hérnias e as bridas. Nos idosos, as causas mais comuns são aderências, íleo biliar, hérnias e tumores.
Mas atenção: as hérnias estão presentes em todas as faixas etárias, de forma que a procura por elas é obrigatória na avaliação de todos os pacientes com este tipo de quadro.
Abaixo, trazemos uma tabela classificatória de prognóstico, relacionando gravidade e mortalidade:
Quais os níveis de obstrução no abdome agudo obstrutivo?
Quando falamos em nível (ou altura), podemos classificar a obstrução em alta e baixa.
Geralmente os pacientes apresentam sintomas específicos em cada uma, como já bem explicado no tópico “sinais e sintomas”.
Obstrução alta
Ocorre no intestino delgado. O aspecto do vômito, se presente, é de conteúdo alimentar e bilioso.
Obstrução baixa
Ocorre no intestino grosso. O aspecto do vômito, se presente, é fecalóide.
Veja nosso vídeo onde o professor Amyr Kelner resolve uma questão de prova de residência sobre abdome agudo:
Quais os tipos de obstrução no abdome agudo obstrutivo?
Obstrução simples
- Sofrimento de alça;
- Isquemia;
- Peritonite.
Obstrução mecânica
É um obstáculo físico ao trânsito intraluminal.
Obstrução funcional
Alteração (diminuição ou parada) do movimento intestinal (peristalse).
Obstrução em alça fechada
Ocorre quando duas extremidades do trato gastrointestinal permanecem obstruídas, como nos volvos e torções.
Na obstrução do cólon há um processo obstrutivo em alça distal, com válvula ileocecal competente – pois quando ela é incompetente, o conteúdo pode retornar ao intestino delgado.
A estenose do cólon é 8 vezes mais frequente no lado esquerdo do que no direito.
Como diagnosticar o abdome agudo obstrutivo?
Além de se atentar aos sinais, sintomas e ao exame físico descritos no início deste texto, podemos lançar mão de ferramentas diagnósticas como exames laboratoriais e de imagem (radiografia simples e tomografia computadorizada).
Os exames laboratoriais são inespecíficos, mas permitem a avaliação geral do paciente. Pode estar presente leucocitose, e a dosagem de eletrólitos pode evidenciar distúrbios de equilíbrio ácido/básico.
As radiografias simples de abdome e tórax podem trazer informações úteis quanto ao tipo, grau de evolução, presença de complicações e etiologia da obstrução.
A presença de gases no intestino delgado com níveis hidroaéreos e dilatação de alças sugere obstrução intestinal – o sinal de "empilhamento de moedas" é característico de obstrução do delgado.
A: Distensão do delgado com sinal de “empilhamento de moedas”
B: Níveis hidroaéreos
C: Distensão do cólon com ausência de ar na ampola retal
Estudos radiográficos contrastados – como o enema opaco e o de trânsito intestinal – podem ser úteis na identificação do ponto de obstrução e na diferenciação dos casos de íleo paralítico e obstrução mecânica.
A utilização de contraste deve ser evitada quando há sangramento ou suspeita de perfuração intestinal.
A tomografia fornece as informações da radiografia acrescidas de maior especificidade para o diagnóstico de tumores, compressões extrínsecas, fístulas intestinais e doenças inflamatórias.
Quais são os tratamentos disponíveis para o abdome agudo obstrutivo?
Os quadros de obstrução parcial devem ser tratados inicialmente de maneira conservadora por descompressão nasogástrica e reposição hidroeletrolítica.
Há índices de até 90% de sucesso, desde que haja a passagem de gases e fezes e não vejamos sinais de estrangulamento.
A indicação cirúrgica pode ser feita em caso de estagnação do quadro após alguns dias, e deve se basear em critérios clínicos e na provável etiologia do abdome agudo obstrutivo.
Com exceção dos casos de choque que não respondem ao tratamento clínico, a cirurgia deve ser realizada após reposição volêmica e eletrolítica, quando o paciente estiver estável.
Pacientes com um quadro parcial pós-operatório por bridas, enterite actínica e carcinomatose intestinal são os que menos se beneficiarão do tratamento cirúrgico – o que adia a indicação de laparotomia o máximo possível.
Já nos quadros de obstrução total a cirurgia deverá ser adiada apenas pelo tempo necessário para o preparo clínico inicial, já que não há como excluir sofrimento de alça.
Todos os pacientes com sinais e sintomas de estrangulamento devem ser submetidos a cirurgia de emergência, pois a mortalidade é alta nesse grupo.
O tratamento clínico sempre deve incluir antibioticoterapia a fim de prevenir translocação bacteriana.
Independente da opção de conduta, é essencial garantir suplemento nutricional ao paciente – e, sendo assim, candidatos a jejum prolongado devem iniciar dieta parenteral precoce.
Na Síndrome de Ogilvie ocorre um quadro do tipo suboclusivo, mas sem o componente mecânico ou metabólico.
Pode ser tratada como uso de neostigmina. A colonoscopia descompressiva também apresenta resultados satisfatórios.
O acesso cirúrgico de preferência é a laparotomia mediana, por meio da qual é possível o tratamento da maioria das afecções cirúrgicas abdominais responsáveis pelo quadro clínico.
Alguns autores advogam pelo uso da laparoscopia no tratamento das aderências pós-operatórias, já que uma menor agressão ao peritônio é benéfica nestes casos. Entretanto, ela só deve ser realizada por cirurgiões que tenham experiência com o método, com consciência das dificuldades encontradas na realização do pneumoperitônio e na exploração da cavidade tomada por alças distendidas.
Nos casos de hérnias da região inguinal – exceto quando há estrangulamento nítido – pode-se realizar a inguinotomia com avaliação da viabilidade de alças e de possível necessidade de laparotomia mediana durante a cirurgia.
Conclusão
Dentre os temas de cirurgia geral, o abdome agudo obstrutivo é de grande importância tanto na prática clínica do médico plantonista quanto em relação à incidência nas provas de residência médica.
Seu diagnóstico, diagnósticos diferenciais e tomada de conduta são muito cobrados, bem como a avaliação de exames complementares.
Algumas provas também focam em etiologia e fisiopatologia, mas com menor ênfase.
Esse é um tema que vale a pena ser estudado a fundo, portanto, busque resolver questões que o envolvam e lembre-se de recorrer sempre ao livro-texto caso surja alguma dúvida.
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