A Síndrome Nefrótica é uma manifestação clínica complexa de doença renal, que pode ter origem do próprio sistema urinário ou ser uma consequência de alguma comorbidade secundária. Ela pode gerar diversas complicações baseadas em seus mecanismos fisiopatológicos, podendo atingir as mais diversas faixas etárias. É importante dizer que este é um assunto que pode estar na sua prova de residência tanto na área de Pediatria quanto na de Clínica Médica.
O que é Síndrome Nefrótica?
A síndrome nefrótica é uma apresentação clínica de injúria nos rins caracterizada por significativa proteinúria, hipoalbuminemia, edema e hiperlipidemia. Em pacientes suscetíveis, outras complicações incluem estados hipercoaguláveis e estados imunocomprometidos. Ela pode ser causada por doenças glomerulares idiopáticas ou por outras condições médicas subjacentes.
A síndrome é frequentemente acompanhada por complicações decorrentes da perda de proteínas de baixo peso molecular na urina e da superprodução compensatória de proteínas no fígado. A nefropatia diabética é a doença multissistêmica mais comum que leva à síndrome nefrótica.
Qual a fisiopatologia?
No glomérulo renal, os capilares são revestidos por um endotélio fenestrado, localizados sobre a membrana basal glomerular, que é coberta pelos podócitos criando processos pediculares. A interligação desses processos cria as fenestras, onde ocorre o filtro glomerular. Normalmente, essa barreira é altamente seletiva, permitindo a passagem de substâncias necessárias enquanto retém grandes moléculas, como proteínas, na corrente sanguínea.
Entretanto, na síndrome, ocorrem danos na integridade dessa barreira. Isso pode surgir por diversos fatores, como lesões diretas à membrana basal glomerular, comprometimento dos podócitos ou danos na superfície endotelial dos capilares. Esses danos levam à perda excessiva de proteínas na urina, principalmente a albumina, uma vez que elas passam a caber através das fenestras alargadas, principalmente a albumina, na urina.
Em segundo plano, a maior excreção de proteína (principalmente albumina) na lesão dos glomerulares irá acarretar na diminuição sérica desse elemento. Dessa forma, a pressão oncótica estará diminuída e, consequentemente, há maior perda de plasma intravascular, gerando assim o acúmulo de linfa no terceiro espaço. As consequências clínicas desse mecanismo são os edemas, derrames pericárdicos e derrames pleurais.
DICA DE PROVA
Vamos relembrar conceitos básicos de fisiologia! O capilar representa o local primário de troca de fluidos com os tecidos corporais, regido por dois fatores fundamentais: pressão hidrostática e pressão osmótica.
- Pressão Hidrostática: atua como uma força de "empurrar" na água, influenciada pela diferença de fluido entre regiões, onde volumes maiores geram maior pressão hidrostática.
- Pressão Osmótica: exerce uma força de "atração" na água devido à presença de solutos na solução. A albumina desempenha um papel crucial nesse contexto, sendo a principal responsável pela pressão osmótica nos capilares, induzindo o fluxo de água para o interior do lúmen vascular.
Causas da Síndrome Nefrótica
As principais causas primárias da síndrome nefrótica são doenças renais intrínsecas, como nefropatia membranosa, nefropatia de alteração mínima e glomeruloesclerose focal. A glomeruloesclerose focal congênita/hereditária pode ocorrer devido a mutações genéticas em proteínas dos podócitos.
Causas secundárias da síndrome nefrótica incluem diabetes mellitus, doenças autoimunes como lúpus eritematoso, vasculite autoimune, doença de Berger, nefrite pós-infecciosa aguda dos glomérulos, amiloidose, entre outras. Em crianças, a causa mais comum é a glomerulonefrite de alteração mínima. Outra causa secundária pode ser o abuso de drogas, incluindo a heroína.
A proteinúria em níveis nefróticos também pode ocorrer no terceiro trimestre da gravidez, sendo um achado clássico de pré-eclâmpsia por glomeruloendoteliose. No entanto, pode ocorrer por se sobrepor a uma doença renal crônica já existente. Certos medicamentos também podem ser a etiologia, como anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). Bisfosfonatos, lítio e terapia com interferon também foram relacionados à ocorrência de glomeruloesclerose focal.
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Sintomas de Síndrome Nefrótica
Os sintomas da síndrome nefrótica frequentemente incluem edema progressivo nos membros inferiores e ganho de peso, fadiga e dispneia, às vezes acompanhadas por dor torácica. Problemas respiratórios surgem devido ao derrame pleural, além da possibilidade de derrame pericárdico. Além disso, o paciente pode ter edema periorbital, especialmente de manhã, edema genital ou ascite. Em casos mais graves, podem ser vistos os xantomas eruptivos.
O estado de hiperlipidemia com possibilidade de formação dos Xantomas Eruptivos vêm do mecanismo hepático de repor as proteínas sendo perdidas na filtração glomerular. Porém, com o aumento da produção proteica, também haverá aumento das lipoproteínas advindas do fígado, gerando assim a condição de alto teor gorduroso sérico.
É importante observar que em casos em que a síndrome nefrótica é secundária a condições como nefropatia diabética, amiloidose por cadeia leve de imunoglobulina, infecções ou lúpus, ela pode ser apenas uma entre várias manifestações da doença, destacando a complexidade e a variabilidade dos sintomas de acordo com diferentes causas subjacentes.
Como fazer o diagnóstico?
Testes de urina
A proteinúria na faixa nefrótica será evidente por leituras de 3+ ou 4+ em fitas reagentes. Uma leitura de 3+ representa 300 mg/dL de proteína urinária ou mais, o que se correlaciona com uma perda diária de 3g ou mais e, portanto, está na faixa nefrótica. Amostras de urina ao longo de 24 horas (para uma medida precisa) e proteinúria (3 g de proteína) são diagnósticas.
A análise de urina pode demonstrar cilindros (hialinos, granulosos, gordurosos, cerosos ou células epiteliais). A lipidúria, presença de lipídios livres ou lipídios dentro de células tubulares, em cilindros ou como glóbulos livres, sugere um distúrbio glomerular.
Testes sanguíneos
O nível sérico de albumina é tipicamente baixo. Frequentemente, o nível de albumina no soro é menor que a faixa normal de 3,5 a 4,5 g/dL. As concentrações de creatinina variam de acordo com o grau de comprometimento renal. Os níveis de colesterol total e triglicerídeos geralmente estão aumentados.
Biópsia renal
Esta é indicada para a maioria das síndrome nefróticas, exceto em pacientes menores de 8 anos e pacientes com nefropatia diabética. Através dela, é possível diferenciar a lesão glomerular que está gerando a proteinúria. As principais delas são: lesões mínimas, lesão membranosa, lesão membranoproliferativa e glomeruloesclerose segmentar e focal.
Receptor de Fosfolipase A
Esse é um receptor transmembranar expresso na superfície dos podócitos. Em 70% dos casos de nefropatia membranosa idiopática haverão autoanticorpos contra o Receptor de Fosfolipase A. Há uma forte correlação entre esses níveis e a atividade clínica da doença. Portanto, ajuda no monitoramento da atividade da doença e na eficácia do tratamento.
Tratamentos para Síndrome Nefrótica
O tratamento inclui cuidados de suporte para gerenciar as manifestações clínicas da síndrome, bem como a patologia renal subjacente. Isso envolve o controle da hipertensão e da proteinúria, com uma meta de proteinúria geralmente inferior a 1 g/dia. Estimula-se modificações no estilo de vida, como redução do consumo de sódio, manutenção de um peso corporal adequado e cessação do tabagismo (caso paciente seja fumante).
O uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) ou bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA) é a terapia de primeira linha, exceto em pacientes com início abrupto devido ao aumento do risco de lesão renal aguda. Para pacientes com proteinúria contínua incapazes de tolerar essa terapia, antagonistas do receptor mineralocorticoide podem ser uma opção de segunda linha.
O gerenciamento do edema envolve o uso de diuréticos de alça e restrição moderada de sódio. Em casos de edema persistente, a combinação de diuréticos com diferentes mecanismos de ação pode ser útil, mas deve-se monitorar os efeitos adversos relacionados à essas medicações. Além disso, são recomendadas vacinas para reduzir o risco de infecções e o tratamento específico da patologia renal subjacente, frequentemente envolvendo terapia imunossupressora.
Os pacientes apresentam um estado de hipercoagulabilidade, sendo necessária a administração de anticoagulantes em casos de eventos tromboembólicos. A hiperlipidemia também é abordada, com consideração para o tratamento com estatinas e outras terapias conforme o risco de doenças cardiovasculares.
O manejo em adultos varia de acordo com a causa da síndrome nefrótica, sendo diferentes abordagens para cada tipo de glomerulopatia. Essas diretrizes diferem do tratamento em crianças, onde os corticosteróides são frequentemente iniciados sem biópsia renal inicial. Em caso de falta de resposta aos corticosteroides, a biópsia renal é realizada para determinar a causa subjacente.
Conclusão
A síndrome nefrótica apresenta uma interessante etiopatologia, que traz consigo diversos conceitos histológicos e fisiológicos renais. A sua apresentação clínica tem traços clássicos da proteinúria e suas complicações, causando os demais sintomas. O diagnóstico inicia por laboratórios séricos e urinários, se estendendo até a biópsia renal. Seu manejo se baseia tanto no controle sintomatológico quanto no tratamento da causa base.
Vamos revisar os conceitos de uma maneira direcionada para as provas de residência? Aqui está uma videoaula do Dr. André Caires sobre Síndrome Nefrótica!
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FONTES: