A hipertensão arterial sistêmica (HAS) na infância era pouco conhecida até início do século XX, no entanto, o aumento de sua incidência fez com que diversos estudos fossem direcionados para esse assunto. Tem se tornado cada vez mais evidente que a HAS na infância e adolescência está diretamente relacionada à HAS no adulto e contribui para o desenvolvimento precoce de doenças cardiovasculares.
Neste post iremos abordar tudo que você precisa saber sobre o assunto, que vai te dar aquele diferencial na prova da residência!
O que é HAS na criança e no adolescente?
Na criança é definida como pressão arterial sistólica (PAS) e/ou pressão arterial diastólica (PAD) maior ou igual ao percentil 95, diretamente correlacionado ao sexo, idade e percentil de altura, e aferida em pelo menos três ocasiões diferentes. Já no adolescente (> 13 anos), a definição está condizente com as diretrizes de adultos.
Epidemiologia
A hipertensão arterial acomete cerca de 3% a 5% da população pediátrica. É sabido que há aumento mundial de casos, principalmente associados ao sobrepeso e obesidade na infância, tornando-se um problema de saúde pública mundial. Entretanto, ainda não há estudos nacionais suficientes que caracterizem melhor essa parcela da população pediátrica. A incidência de HAS secundária é frequentemente maior na criança e adolescente, quando comparado ao adulto.
Etiologia e Fisiopatologia
A pressão arterial é resultado do produto do débito cardíaco com a resistência vascular periférica, e esses são influenciados por mecanismos neurais, humorais, cardiovasculares, renais, entre outros. Quaisquer alterações nesses mecanismos podem levar a elevações da pressão arterial.
A HAS na criança pode ter origem primária ou secundária, sendo mais prevalente aquela de origem secundária, diferindo da HAS no adulto. Apesar disso, a primária vem crescendo entre a população pediátrica, principalmente em maiores de 6 anos, com obesidade/sobrepeso e história familiar de hipertensão.
Quanto à HAS secundária, essa pode estar relacionada a diversos distúrbios de controle pressórico. Os principais eventos associados são respectivamente nefropatia, doença renovascular e coartação de aorta. Podemos dividir por sistema para organizar o entendimento!
Distúrbios renais
Para compreender os distúrbios renais, é necessário lembrar que a maioria deles estão relacionados a alterações no sistema renina-angiotensina e no volume corporal, influenciado diretamente pela retenção de sal e água. Tudo isso é capaz de promover a elevação pressórica. Dentre as patologias da infância, algumas delas são: glomerulonefrites (como a pós-estreptocócica), doença renovascular, doença renal crônica, hiperaldosteronismo e hiperplasia adrenal congênita.
Causa endocrinológicas
Já quando voltamos o olhar para causas endocrinológicas, estão em boa parte das vezes relacionados ao excesso de catecolaminas, como ocorre no feocromocitoma, neuroblastomas e no uso de medicamentos simpatomiméticos (epinefrina, terbutalina).
Ademais, o excesso de glicocorticóides também pode ser responsável pela HAS na criança, principalmente relacionado a administração exógena (síndrome de Cushing) e pouco relacionado a produção endógena.
Distúrbios cardiológicos
Em relação aos distúrbios cardiológicos, é possível citar a coarctação de aorta como causa aguda de HAS na criança. É observado hipertensão nas extremidades superiores, pulsos femorais finos e pressão baixa em membros inferiores.
Além disso, existem diversas outras causas, tanto vasculares (Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) e doenças do colágeno), quanto genéticas (síndrome de Turner e síndrome de Liddle).
Antes de direcionar o olhar para alguma das causas supracitadas, é preciso fazer uma boa anamnese e exame físico, pois estes serão cruciais no diagnóstico diferencial. Na anamnese, já é possível identificar a faixa etária da criança, e partir daí é possível direcionar para as causas mais frequentes de HAS na criança, como mostra o quadro abaixo:
A partir daí, é necessário entender os sinais e sintomas associados, como iremos discorrer a seguir.
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Quais são os sinais e sintomas da HAS na criança e no adolescente?
Em boa parte dos casos, as crianças e adolescentes são assintomáticos. Sintomas como cefaléia, tontura, irritabilidade e zumbidos costumam ser raros, principalmente quando há leve ou moderada elevação da pressão arterial. É importante estar atento aos sintomas relacionados à causa base, como discutido no tópico anterior.
Ao pensar em perda de peso com apetite, por exemplo, podemos direcionar nosso olhar para a possibilidade de feocromocitoma; febre com dores articulares, nos faz voltar o olhar para colagenoses; assim como, obesidade, nos faz pensar sobre causas metabólicas.
Já os sinais de HAS na criança, estarão presentes em causas secundárias, podendo direcionar para um diagnóstico mais eficaz. Edema, hematúria, proteinúria, disúria fazem parte do quadro de nefropatia. Enquanto que a síncope, fraqueza muscular, arritmias e distensão abdominal chamam atenção para hiperaldosteronismo.
As manchas em tonalidade café com leite chamam atenção para neurofibroma. As massas abdominais ou na loja renal chamam atenção para tumores, rins policísticos e traumas.
Para melhor elucidação segue a tabela abaixo:
Como fazer o diagnóstico?
Para determinar o diagnóstico de HAS na criança, é essencial saber fazer uma boa aferição da pressão arterial. Deve ser medida de preferência no braço direito com a criança sentada, em repouso de 3 a 5 minutos, com o braço apoiado no mesmo nível do precórdio. Devem ser feitas pelo menos três aferições em ocasiões diferentes, após isso, é realizada uma média entre as três medidas e se o valor for > percentil 95. Na criança com menos de 3 anos, deve ser aferido com ela deitada.
Cada faixa etária tem uma tabela com os percentis, como pode ser visto na tabela abaixo, na faixa de 1 ano de idade:
Após esse passo, deve-se classificar a hipertensão arterial em primária e secundária. Geralmente, a primária costuma ser de leve a moderada, assintomática e sem repercussão hemodinâmica. Já a secundária costuma ser mais grave, persistente, sintomática, associada a lesão de órgão-alvo e com componente diastólico importante.
Após a classificação, podem ser feitos exames complementares no intuito de confirmar o diagnóstico, de identificar alguma causa secundária ou consequência, sempre alinhados com os achados na anamnese e exame físico. Em geral, inicialmente, no quesito laboratorial, solicita-se urina tipo I e urocultura, bioquímica, eletrólitos, perfil lipídico, creatinina, uréia, ácido úrico e hemograma completo.
No quesito de exames de imagem, é indicado solicitar ultrassonografia renal em menores de 6 anos ou naqueles que tiverem urina 1 ou função renal alterada. Em crianças ou adolescentes com IMC > percentil 95, deve-se adicionar a solicitação de hemoglobina glicada, transaminases e perfil lipídico em jejum.
É importante sempre alinhar os exames com a anamnese e o exame físico. Nesse sentido, alguns exames podem ser pedidos de acordo com os achados, como por exemplo: glicemia de jejum, TSH, hemograma completo, principalmente quando existem alterações de função renal ou atraso no crescimento. Ademais, também podem ser pedidos: screening para drogas, polissonografia, ecocardiograma com Doppler e ultrassonografia com Doppler de artérias renais.
Tratamento de HAS na criança e no adolescente
Sabemos que a HAS na criança e no adolescente pode estar associada a um risco aumentado de doenças cardiovasculares, à progressão de doença renal crônica e de doença renal terminal em adultos. Logo, quanto mais efetivo e precoce o manejo, melhor o prognóstico e menor risco para tais condições citadas.
Dito isso, o tratamento da HAS na criança e no adolescente pode ser dividido em farmacológico e não farmacológico.
Tratamento não farmacológico
O tratamento não farmacológico está baseado em mudanças de hábitos de vida - dieta, exercício aeróbico, combate ao estresse, redução de peso - que devem ser encorajadas em todas as crianças com HAS independente do estágio.
É importante ressaltar que os exercícios físicos devem ser adequados para idade e peso. Indivíduos obesos não devem fazer exercícios que tenham grande impacto articular.
Tratamento farmacológico
A decisão do início da terapia farmacológica deve ser tomada com bastante cuidado, alguns critérios indicam esse tipo de abordagem:
- Falta de resposta ao tratamento não medicamentoso;
- Hipertensão sintomática;
- Presença de hipertrofia de ventrículo esquerdo;
- HAS estágio 2 sem fator modificável identificado;
- HAS em paciente com doença renal crônica;
- HAS em pacientes com diabetes tipo 1 ou tipo 2.
Em crianças e adolescentes, o tratamento medicamentoso objetiva reduzir a PA para < percentil 95 com o mínimo de drogas possíveis. Opta-se por iniciar o tratamento com bloqueadores do canal de cálcio (BCC) e inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), diuréticos tiazídico ou bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA). Iniciando-se sempre com apenas uma droga e só acrescentar outra se, mesmo com ajuste de dose, a pressão arterial se mantenha abaixo do desejado.
É importante individualizar cada caso e correlacionar as causas base. Por exemplo, no caso de doença renovascular, é sugerido evitar IECA e BRA como primeira droga. Já na doença renal crônica, estudos demonstram que o uso do IECA é benéfico. Em linhas gerais, podemos sistematizar o manejo inicial de acordo com a seguinte tabela:
Prevenção
Não existe uma fórmula ideal para prevenir o desenvolvimento de HAS na criança. Todavia, mudanças de hábitos de vida, como redução do consumo de sódio e prática de exercícios físicos mostram uma boa relação com o controle da pressão arterial.
Ademais, outros fatores relacionados são a amamentação - a qual atua como fator protetor - adversidades na infância, o estresse pode ter relação direta com aumento da PA, e demais fatores estressores durante o período pré-natal e pós natal podem influenciar diretamente.
Logo, não há medidas específicas, mas um conjunto de hábitos, acesso a informações e conhecimento da história familiar participam diretamente da prevenção de HAS na criança e no adolescente.
Conclusão
A HAS na criança é um assunto recente, mas tem sido um tema cada vez mais estudado, tornando-se recorrente na prática clínica e nas provas de residência.
É fundamental entender a hipertensão arterial na pediatria, pois esta impacta diretamente nas doenças do indivíduo adulto e em graves complicações, se não diagnosticada e manejada precocemente. O diagnóstico vai depender de 3 medidas alteradas, de acordo com os percentis de estatura e idade e o tratamento se baseia em mudança de estilo de vida, sendo a medicação inserida em casos específicos.
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FONTES:
- Hipertensão arterial na infância e adolescência
- Pediatria Ambulatorial. IMIP. 5° edição.
- Diagnóstico diferencial em pediatria- IMIP