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Publicado em
3/5/24

Pneumonia adquirida em comunidade: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

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Pneumonia adquirida em comunidade: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento

A pneumonia adquirida na comunidade (PAC) é uma das condições mais prevalentes e desafiadoras enfrentadas na prática clínica médica, sendo uma importante causa de morbimortalidade em diversos grupos populacionais em todo o mundo. A compreensão de sua etiologia, manifestações clínicas, métodos diagnósticos e opções de tratamento é essencial para o manejo adequado dos pacientes afetados. 

Este post abordará em detalhes a PAC, sua epidemiologia, etiologia, fisiopatologia, quadro clínico, diagnóstico e tratamento.

O que é a pneumonia adquirida em comunidade?

A pneumonia é umas das principais causas de morte no mundo e de custos para os sistemas de saúde, sendo estudada intensivamente a séculos e umas das principais responsáveis pelo desenvolvimento da antibioticoterapia.

A pneumonia é uma definida como aparecimento agudo de sintomas de infecção do trato respiratório inferior e que esteja associada a infiltrado pulmonar novo no exame de imagem. Para ser definida como PAC os sintomas devem surgir em indivíduos fora do ambiente hospitalar ou em até 48 horas da admissão hospitalar

No Brasil, é estimado que cerca de 10% das internações hospitalares sejam por pneumonia, com sua mortalidade variando de 4 a 18%, sendo associada com fatores como a idade, comorbidades e apresentação clínica.

Epidemiologia

A epidemiologia se destaca por sua significativa carga global, sendo uma das principais causas de morbidade e mortalidade em todas as faixas etárias. A incidência da PAC varia geograficamente e sazonalmente, influenciada por fatores como densidade populacional, status socioeconômico, prevalência de doenças crônicas e cobertura vacinal. 

Estima-se que ocorram milhões de casos por ano mundialmente, com taxas mais altas em idosos e crianças menores de cinco anos, os quais apresentam maior risco de complicações e mortalidade. A introdução de vacinas, como a vacina pneumocócica e a vacina contra influenza, impactou positivamente a incidência de casos, especialmente entre os grupos de maior risco.

Contudo, o uso irracional de antibióticos está associado a surtos e à emergência de patógenos resistentes, que continuam a desafiar o controle efetivo da PAC, necessitando vigilância contínua e adaptações nas estratégias de saúde pública.

Etiologia

A pneumonia pode ter diversas etiologias: bacterianas, virais ou fúngicas. As pneumonias de etiologia bacteriana são as principais causas de morte na PAC. Nesse contexto, os principais fatores de risco são as infecções prévias do trato respiratório, os extremos de idade (crianças com menos de 5 anos e adultos com mais de 65), as doenças crônicas, as deficiências imunológicas congênitas ou adquiridas e uso excessivo de tabaco e álcool

Os agentes etiológicos da pneumologia adquirida em comunidade variam conforme faixa etária, condições de saúde prévias e fatores ambientais. Em adultos, os principais patógenos são:

  • Streptococcus pneumoniae: o mais comum, responsável por uma grande parcela dos casos.
  • Haemophilus influenzae: frequente, especialmente em pacientes com comorbidades como doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
  • Mycoplasma pneumoniae: causa comum em adolescentes e adultos jovens, frequentemente resultando em formas mais leves da doença.
  • Vírus respiratórios: incluindo influenza, vírus sincicial respiratório (VSR), e mais recentemente, o SARS-CoV-2, que podem causar ou complicar casos de pneumonia.

Fisiopatologia da pneumonia adquirida em comunidade

Imagem ilustrativa mostrando o padrão multilobular e bilateral da pneumonia adquirida em comunidade
O pulmão esquerdo representa o padrão da pneumonia lobar. Nesse caso, a consolidação causada pela secreção produzida no parênquima pulmonar fica restrito a um lobo. O pulmão direito representa o padrão da broncopneumonia lobular. Nesse caso, a consolidação é irregular. Frequentemente, esse padrão é multilobular e bilateral. Fonte: Wikipédia

A pneumonia pode se instalar com a diminuição das defesas naturais contra antígenos no trato respiratório. Entre as causas que corroboram com isso, estão a perda ou supressão do reflexo da tosse, lesão do aparelho mucociliar, acúmulo de secreções nas vias aéreas, congestão e edemas pulmonares.

A infecção bacteriana, ao instalar-se nos alvéolos, provoca o seu preenchimento com exsudato inflamatório rico em neutrófilos, levando a uma consolidação do tecido pulmonar. Assim, a pneumonia bacteriana tem dois padrões de distribuição anatômica: a broncopneumonia lobular e a pneumonia lobar.

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Quadro clínico

Os principais sintomas que o paciente pode apresentar são a tosse, que pode ser seca ou com expectoração mucoide na fase inicial, mas que evolui para uma expectoração de aspecto purulento. Ademais, a dor do tipo pleurítica, caracterizada por ser localizada, em pontada, e que piora com a tosse a inspiração profunda, também é um sintoma comum. 

A febre é um sinal presente na grande maioria dos casos, sendo menos presente nos pacientes imunossuprimidos ou muito idosos. A dispneia está ausente em casos leves, mas, quando presente, indica quadros mais graves.  No exame físico, há a presença da síndrome da consolidação pulmonar, caracterizada pela diminuição da expansibilidade pulmonar, frêmito toracovocal aumentado, presença de macicez ou submacicez à percussão, murmúrios vesiculares diminuídos e presença de estertores finos à ausculta. 

A presença de derrame pleural parapneumônico é comum e, por isso, é preciso estar atento para os achados de expansibilidade pulmonar diminuída, presença de macicez e abolição dos murmúrios vesiculares no exame físico. Além disso, a dor pleurítica acompanhada de atrito pleural à ausculta podem indicar pleurite.

Podemos avaliar a gravidade do quadro e local preferível de internação por meios de escores clínicos laboratoriais. O mais famoso deles é o escore CURB-65, demonstrado abaixo. Outros escores utilizados são o PSI (Pneumonia Severity Index), o ATS/IDSA e SMART-COP.

Escore CURB-65: Confusão mental; Ureia > 50 mg/dl; Frequência Respiratória > 30 ciclos/min; Blood pressure (pressão arterial) < 90 mmHg ou diastólica < 60 mmHg; e idade ≥ 65 anos. Fonte: RECOMENDAÇÕES para o manejo da pneumonia adquirida na comunidade 2018. Jornal Brasileiro de Pneumologia , [s. l.], 2018

Diagnóstico para a pneumonia adquirida em comunidade

Raio-x mostrando a pneumonia do lobo direito médio com infiltrado que parece se mesclar com a área cardíaca (sinal da silhueta)
Pneumonia do lobo direito médio com infiltrado que parece se mesclar com a área cardíaca (sinal da silhueta). Fonte: Manual MSD

O diagnóstico é dado através do quadro clínico compatível com a pneumonia e dos exames de imagens. A radiografia de tórax normalmente é o exame de escolha para avaliação inicial da pneumonia. Além disso, a radiografia pode sugerir etiologias alternativas, como tuberculose e abscessos, além de poder avaliar presença de derrame pleural. 

Os achados nesse exame que condizem com o quadro da pneumonia são consolidações lobares, infiltrados intersticiais e/ou cavitações. Caso o paciente apresente o quadro clínico compatível, mas caso a radiografia não apresente nenhum desses achados característicos, pede-se uma tomografia de tórax.

Tratamento

O tratamento da pneumonia adquirida na comunidade dependerá da gravidade do quadro, podendo ser dividido em:

Tratamento ambulatorial

Ele é feito para pacientes com baixo risco.

  • Paciente sem comorbidades e sem o uso de antibióticos nos últimos 3 meses podemos lançar mão de monoterapia com macrolídeos VO, como a Azitromicina (500 mg do D1 e 250 mg nos dias subsequentes) e a Claritromicina de liberação prolongada (1 g ao dia) por 5 a 7 dias ou a Amoxicilina (500 mg de 8/8h).
  • Para pacientes com comorbidades ou uso de antibióticos nos últimos 3 meses, utilizamos a terapia combinada com Amoxicilina + Clavulanato (875+125 mg 2x/dia) ou a Cefuroxima (500 mg 12/12h) com a azitromicina ou a claritromicina. Outra opção possível para esses pacientes são as Quinolonas respiratórias (Levofloxacino, Moxifloxacino e Gemifloxacino) por via oral.

Tratamento hospitalar

Para o tratamento hospitalar da pneumonia adquirida em comunidade nesses pacientes, damos preferência ao uso de beta-lactâmicos (Ceftriaxona 1 g ao dia) EV associados aos macrolídeos orais ou endovenosos por 7 a 10 dias. Outra opção é o uso das quinolonas respiratórias em monoterapia endovenosa.

Tratamento em leito de UTI

Deve ser utilizada a terapia combinada endovenosa de beta-lactâmicos + macrolídeos ou de beta-lactâmicos + quinolonas respiratórias por 10 a 14 dias. A definição da gravidade do quadro e a indicação de internamento ou UTI será realizada por meio dos escores citados anteriormente.

Conclusão

A pneumonia adquirida em comunidade continua a ser uma importante causa de morbidade e mortalidade. Um entendimento claro de sua etiologia, fisiopatologia, apresentação clínica, diagnóstico e tratamento permite que o médico maneje eficazmente esta condição comum, mas potencialmente grave. A gestão cuidadosa, baseada em evidências e adaptada às características individuais do paciente, é fundamental para otimizar os resultados.

Leia mais:

FONTES:

  • Recomendações para o manejo da pneumonia adquirida na comunidade 2018. Jornal Brasileiro de Pneumologia , [s. l.], 2018.
  • Medicina de emergência : abordagem prática / editores Rodrigo Antonio Brandão Neto ... [et al.]. - 17. ed., rev., atual. e ampl. , 2023.